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Sobre Rótulos e Profecias Auto-Realizadoras

"Um lindo relato sobre como os rótulos podem reforçar o tipo de comportamento que não queremos entre irmãos. Como libertar nossos filhos?"

Falar sobre rótulos, de uma maneira geral, é uma tarefa bastante complexa, ainda mais quando se trata de rótulos em irmãos. Isso, porque refletir sobre os problemas que os rótulos trazem é, por si só, uma grande quebra de paradigmas. Por outro lado, quando aceitamos o desafio de deixar os rótulos de lado, a experiência pode ser muito libertadora, como já escrevi em Libertando Nossos Filhos (e Nós Mesmos) Dos Papéis Que Aprisionam.

Ainda assim, é sempre muito bonito ver essa mudança de paradigma acontecendo em uma família, e eu tive a oportunidade linda de observar isso na família da Caroline Pizzini. Em um dos nossos encontros da API Rio, conversamos sobre rótulos e muito sobre o que discutimos fez sentido tanto para a mãe, como para o pai. O que eu não esperava é que, no encontro seguinte, ela voltaria dizendo como que aquilo mudou a dinâmica na relação entre os filhos dela.

E eu, claro, tive que pedir para ela contar para nós sobre essa experiência! Grato, Caroline, por dividir conosco, e espero que o seu relato ajude muito mais famílias!


Olá, nome é Carol e sou mãe do Pedro e da Alice, de 1 ano e 9 meses.

Sim! São gêmeos!

Impossível falar deles sem falar um pouco sobre mim. Nunca quis ter filhos a vida toda, até a hora em que eu quis. E assim começa a minha jornada um pouco diferentona na maternidade. Quando decidi ter filhos, decidi que teria um só, afinal sou filha única e, teoricamente, muito bem resolvida com isso. Mas como não sou dona do destino, engravidei de gêmeos.

Durante a gestação toda, tentei ao máximo dissociar uma criança da outra. Afinal, eles são irmãos, dividem um mesmo útero, mas são pessoas completamente diferentes, com personalidades diferentes, com quereres diferentes. E eles se mostraram diferentes na barriga. Vejam só, Pedro ficava do lado esquerdo, sempre quietinho, se mexia pouco, normalmente pela manhã. Alice estava o lado direito, meio acocoradinha na parte superior da barriga e se mexia o tempo todo, e o tempo todo pressionava o irmão para baixo. Era maravilhosa a sensação. #sqn

Eles nasceram, tudo bem, tudo lindo, tudo beleza. Até que Pedro precisou fazer uma cirurgia corretiva de hérnia inguinal com pouco mais de 2 meses, e confesso que a cirurgia mexeu demais comigo e faço um mea culpa porque passei a proteger mais o Pedro. Ele era menor, mais magro, mais frágil, já tinha passado por uma cirurgia, coitadinho, e para completar ainda era um bebê chiador.

O tempo foi passando, os bebês fofinhos viraram gremlins e começaram efetivamente as descobertas de si mesmos e do outro. E, com isso, vieram as disputas por espaço. Como era esperado, Alice tomou a rédeas da situação e passou a ser conhecida como Alice Corleone, poderosa chefona, que manda e desmanda no irmão, e batia, mas batia muito nele. E ele chorava, esperneava, chorava mais um pouquinho. E o que que qualquer pessoa em sã consciência faz quando isso acontece? Briga com o agressor e acolhe a vítima.

Perdi as contas de quantas vezes fiz isso, de quantas vezes fiz isso no mesmo dia. Até que um dia, observei de um ângulo em que eles não me viam: ela começou a puxar o cabelo, e ele revidou, não chorou. Passei a observar mais atentamente. Na minha frente, ele era o coitado e ela a tirana, mas fora do meu olhar, eles se entendiam sozinhos. Conversei na escola sobre esse comportamento deles e a professora foi bem direta: “aqui, eles não brigam; são muito amigos”.

Nesse meio tempo, entre descobrir isso e mudar minha atitude, fui numa das reuniões da API Rio, e numa conversa, o Thiago me disse justamente o que já passava pela minha cabeça mas, de alguma maneira, eu não conseguia organizar meus pensamentos. Eu, mãe diferentona, criadora com apego, discípula da Bela Gil em comida natureba, estava fazendo justamente o que eu nunca quis fazer: reforçando os papéis de Tirana e Sofredor nos meus filhos. E não, eu não queria que eles assumissem qualquer tipo de rótulos para si mesmos, queria que eles explorassem suas potencialidades ao máximo.

Rresolvi parar de intervir nas brigas dos dois. Foi muito duro no início, muito mesmo. Sabe como é, comportamento condicionado por meses. Mas passados os primeiros dias, Pedro passou a revidar e consequentemente Alice melhorou seu ímpeto agressivo. Mas melhorou ABSURDAMENTE. Antes, ela descontava todas as suas frustrações no irmão, hoje em dia, quase nada.

Não que eles não briguem, eles brigam muito, pelo menos umas 20 vezes ao dia. Mas, a menos que eles corram risco de fazer algum dano grave ou deixar uma marca permanente, não intervenho. Eles passaram a resolver seus próprios conflitos sozinhos. Entre tapas e beijos.

E percebi um enorme crescimento pessoal nos dois, depois disso. Ficaram mais independentes, e mais parceiros. Um espera o outro acordar para brincar, Alice leva o copo de suco para o irmão, enquanto ele dá uvas em sua boca, fazem carinho um no outro enquanto mamam. Se divertem, se amam e se odeiam.

Mas qual irmão que não?!

O fato de eu ser filha única provavelmente me fez ser um tanto incapaz de lidar com esses conflitos entre irmãos, mas ainda bem que consegui enxergar que o caminho que eu estava seguindo não era legal para a minha família (obrigada Thiago), e consegui mudá-lo a tempo, antes de começar a colocá-los na camisa da união.

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Thiago Queiroz

Thiago Queiroz

Psicanalista, pai de quatro filhos, escritor, palestrante, educador parental, host dos podcasts Tricô e Pausa pra Sentir (dentre outros), autor dos livros "Queridos Adultos", "Abrace seu Filho", "A Armadura de Bertô" e "Cartinhas para meu pai", participou também do documentário internacional "Dads".

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Comentários

6 comentários em “Sobre Rótulos e Profecias Auto-Realizadoras”

  1. Pedro Gurgel

    Caraca velho! Sou pai de gêmeas de 1 ano e 7… Nunca tinha parado pra refletir sobre isso com calma. E o pior é que eu ainda fico dizendo “pode morder a irmãzinha”? Será que consigo mudar?

  2. Célia Denise

    Oi, Thiago! Impressionante esse texto da Carol. Nunca tinha pensado no assnto sobre isso prisma.
    Aqui em casa são 2 rapazes, mas não são irmãos – 1 ano 5 meses e 1 ano acabado de fazer. Como proceder quando se trata de crianças que vivem juntas mas que não sejam irmãos? Divido a casa com uma amiga e gostaria de saber como proceder em relação aos nossos filhos.
    Obrigada 🙂

    1. Depende muito das dificuldades que vocês estão enfrentando. Lembrando que crianças tão pequenas quanto estas ainda nem têm condições de brincar junto, elas apenas brincam perto uma da outra. Elas ainda estão muito no mundinho delas nessa idade.

  3. Olá, Thiago. Primeiramente gratidão imensa por todos esses textos maravilhosos que estão sempre despertando questionamentos em minha maternagem. Aqui em casa são 03 gatinhas, uma de 4 anos e 10 meses, outra de 3 anos e uma neném de 49 dias . As duas mais velhas são muito unidas, brincam muito e brigam muuuito. São bem diferentes e para ser honesta não consigo distinguir até onde está o poder dos rótulos e profecias. Estamos trabalhando nisso. Meu ponto é que lendo esse relato fiquei em duvida na abordagem durante os conflitos. Eu SEMPRE intervenho. Começam as vozes alteradas e eu vou ver o que está acontecendo, porquê estão brigando. Nunca tinha considerado deixar elas resolveram os conflitos sozinhas (como eu fazia com meu irmãos). Pois as vezes elas acabam se agredindo e é uma coisa que eu não queria “dar lado” para acontecer, pois realmente não quero que elas achem que a agressão é um meio viável de resolver conflitos. Pergunta: devo experimentar deixar elas terem autonomia nas resoluções de conflitos?

    1. Daiane, obrigado pelo carinho! Sobre a sua pergunta, eu acho que você pode experimentar intervir menos em algumas situações e ver o que acontece. Observando o que você sente e como suas filhas se comportam, pode ser uma experiência beeeem interessante 🙂

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