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Intervenção no Sono dos Bebês Pode Ser Prejudicial, Segundo Estudo

"Estudo recente avaliou estudos ao longo dos últimos 20 anos sobre a intervenção no sono de bebês, ou treinamento de sono (sleep training). Estes métodos são ineficazes por não estarem associados a resultados positivos para mães e bebês. Depressão pós-parto e choro não são melhorados nessas condições."

Fazia tempo que um estudo publicado não me deixava assim, tão entusiasmado. O último que teve esse efeito sobre mim foi de amamentação, e semana passada, tive o prazer de ler esse aqui, publicado no Journal of Developmental and Behavioural Pediatrics pela Dra. Pamela Douglas e Dr. Peter Hill da Universidade de Queensland, na Austrália. Este estudo avalia os resultados de vários outros estudos que analisaram diversas intervenções comportamentais no sono de bebês. Foram avaliados trabalhos realizados ao longo dos últimos 20 anos e a pesquisa inicial continha 638 artigos que, ao longo do trabalho dos autores, foram filtrados para 43 estudos.

Quem me conhece sabe que eu não gosto muito de escrever posts longos, porque eu sei que pode dar preguiça nos leitores (eu me incluo nesse balaio!), mas esse estudo é tão rico em informações essenciais sobre o sono de bebês que eu fiz questão de desligar essa minha trava de posts longos e destrinchar todas as informações que vão ajudar você a desconstruir a cultura de que devemos intervir no sono dos bebês, logo no início de suas vidas. Finalmente, temos um artigo de qualidade, que consegue apontar as ineficiências e problemas do sleep training, ou treinamento do sono.

Nos primeiros meses de vida, a cada 5 pais, um reclama de choro excessivo do bebê. Os problemas de choro, alimentação e sono normalmente estão muito interligados durante os primeiros 4 meses de vida, pois é neste período que há um desenvolvimento neurológico muito acentuado no bebê. Mesmo que os bebês mais inquietos não acordem tantas vezes durante a noite, eles podem chorar mais ou até ser mais difíceis de acalmar no período da noite. Alguns pais chamam isso de happy hour dos pais.

A questão é que os bebês que têm problemas na alimentação (seja na amamentação ou com leite artificial) também podem acordar excessivamente, seja durante o dia ou noite. Essa interação dinâmica entre os problemas de choro, alimentação e sono são identificados no estudo como problemas regulatórios.

Por volta dos 4 meses de idade, é comum que o sono já se consolide à noite, mesmo que o bebê ainda acorde umas 3 vezes durante o período. Ao mesmo tempo, o bebê já fica mais acordado durante o dia, mesmo que seja normal que um bebê tire, em média, 4 sonecas ao longo do dia. O que isso quer dizer? Que durante esse período inicial de vida do bebê, na maioria dos casos, a coisa se regulariza naturalmente. Exceto aproximadamente 6%, que também correm o risco de desenvolver problemas comportamentais a longo prazo, incluindo na alimentação.

O termo inquieto é usado neste estudo para definir o bebê que não consegue se acalmar sozinho, ou seja, o bebê que não consegue dormir em um local separado e sem a intervenção dos pais. Desde as primeiras semanas de vida até os primeiros meses de vida, pais reclamam muito de seus bebês inquietos, que acabam saindo em busca de orientação profissional sobre como aplicar intervenções comportamentais no sono dos bebês.

Essas intervenções comportamentais, também conhecidas como treinamento de sono, incluem uma ou mais das seguintes práticas:

  • resposta não imediata aos sinais e necessidades do bebê;
  • controle dos horários de alimentação;
  • tabulação de horários e duração de sono; e
  • outras estratégias que visam colocar o bebê para dormir sem a alimentação ou contato com o cuidador.

Vários estudos demonstraram que o baby blues é caracterizado pela diminuição da sensibilidade da mãe na interpretação dos sinais do bebê. Isso prejudica a sintonia que mãe e bebê têm, traz dificuldades na alimentação e sono, além de alterações permanentes na arquitetura cerebral do bebê. Os estudos mostram que, por outro lado, o cuidado baseado nos sinais do bebê fortalecem essa sensibilidade e, também, a sintonia entre mãe e bebê. Isso é muito interessante, porque é uma das coisas que nós conseguimos perceber na prática, pelo menos aqui em casa.

É importante ressaltar que o cuidado sensível baseado nos sinais é completamente diferente de super-proteção. Isso, na realidade, tem sido relacionado a um aumento na quantidade de vezes que o bebê acorda.

Como muitos desses estudos avaliados pela Dra. Pamela Douglas e Dr. Peter Hill apontavam que as intervenções no sono eram benéficas, parte do trabalho deles nessa análise teve a finalidade de avaliar a metodologia dos mesmos, o que acabou identificando problemas metodológicos que dificultam a interpretação de evidências, com relação às intervenções em sono de bebês com menos de 6 meses:

  • problemas de alimentação e sono são interdependentes, mas há casos em que problemas de alimentação não foram levados em consideração nos estudos, ou seja, quase todos os resultados ficaram comprometidos quando tratavam de bebês inquietos nos primeiros meses de vida; e
  • há diferenças profundas no desenvolvimento neurológico durante o primeiro e segundo semestres de vida do bebê. Porém, muitos estudos falham em avaliar as intervenções diferenciando estes estágios, e isto é crucial.

Feitas as devidas considerações, foi possível traçar algumas conclusões através dos estudos avaliados. Na verdade, a Dra. Pamela Douglas e Dr. Peter Hill fizeram um grande compêndio com as principais conclusões de cada estudo, aliado às condições de controle e metologia aplicadas. Alguns conseguem evidenciar que, por exemplo, tanto a duração do sono que o bebê consegue dormir direto, como a duração do sono onde o bebê acorda, mas consegue voltar a dormir por conta própria, são durações que aumentam rapidamente durante os 4 primeiros meses de vida.

Por que você quer que o seu filho durma a noite toda? Para você ser mais feliz? O estudo mostra que isso não acontece bem assim, pois o uso de métodos de treinamento de sono durante as primeiras semanas de vida, apesar de poder aumentar os períodos de sono do bebê durante a noite. nem sempre estão relacionados à melhora de resultados na relação entre mães e bebês, como é popularmente assumido.

Para demonstrar melhor que o treinamento de sono não necessariamente apresenta resultados positivos para mães e bebês, selecionei alguns dos resultados que foram levantados pelo estudo principal:

  • nas primeiras 12 semanas de vida, o treinamento de sono aumenta a duração do sono, mas não necessariamente diminui o choro do bebê. E isso é uma das principais reclamações de pais durante o período;
  • entre 6 e 12 semanas de vida, comparando resultados entre pais que aplicaram intervenções e pais que não aplicaram intervenções, não foram encontradas diferenças significativas na quantidade de vezes em que os bebês acordaram à noite, depressão pós-parto e perturbação geral de sono;
  • a amamentação foi associada com um aumento nas vezes que os bebês acordavam à noite e também a bebês que não dormiam sozinhos, mas não foi associada com outros comportamentos indesejáveis do bebê à noite, como inquietação ou dificuldade para voltar a dormir;
  • mães que controlavam o horário de alimentação em bebês de 4 semanas de vida não estavam livres da depressão com 8 semanas ou 3 meses. Seus bebês tinham resultados cognitivos e acadêmicos piorados em idades de 5, 7, 11 e 14 anos quando comparados com bebês que receberam tratamento baseado em sinais na primeira infância;
  • mães que amamentam relataram um tempo total de sono mais longo, mais energia diária e menores taxas de depressão que as mães que usaram leite artificial ou uma combinação de leite materno e artificial;
  • melhoras no sono do bebê não melhoraram a pontuação na Escala de Depressão Pós-parto de Edinburgh;
  • pais de bebês que foram amamentados ao anoitecer ou à noite dormiam, em média, 40-45 minutos a mais que pais de bebês que tomavam leite artificial. Pais de bebês que recebiam leite artificial à noite relataram mais distúrbios no sono;
  • bebês acordando à noite não foi um fator que contribuiu para os sintomas de depressão materna, mas os sintomas de depressão materna contribuíram para os bebês acordarem mais, ao longo do tempo;
  • os londrinos, que costumam usar mais intervenções comportamentais, amamentar menos e ter menos contato físico com seus bebês, têm filhos com 5 semanas de vida que choram, em média, 45 minutos por dia a mais que os dinamarqueses, que têm o dobro de probabilidade de amamentar até 12 semanas, têm mais contato físico e praticam cuidados baseados nos sinais dos bebês;
  • estudos que demonstram que as intervenções comportamentais no sono podem ajudar a prevenir problemas na infância mais tarde somente se aplicam a pais que relatam problemas de sono em bebês mais velhos, não em bebês com menos de 6 meses; e
  • as estratégias que se demonstraram efetivas contra a depressão pós-parto incluem grupos de apoio para amamentação e técnicas de relaxamento para melhorar a eficiência do sono.

Ou seja, a grande pergunta é: o que faz você ser uma mãe ou pai mais feliz? Ao contrário do que se espera, aumentar as horas em que o seu bebê dorme direto não é exatamente a resposta.

Uma das questões mais importantes levantadas pelo estudo mostra que todas as intervenções para treinamento de sono de bebês usam técnicas que anulam os sinais do bebê quando ele acorda à noite, ou quando ele é colocado para dormir em um ambiente separado durante o dia. As quatro técnicas mais utilizadas são:

  • ciclo alimentar-brincar-dormir;
  • tabulações do sono;
  • diminuição de estímulos durante o dia; e
  • classificação e padronização dos sinais de cansaço.

A Dra. Pamela Douglas e Dr. Peter Hill confrontam estas técnicas, alegando que cada uma delas é deficiente de uma razão biológica racional, aloca toda a autoridade na figura do especialista do sono e compromete a confiança nos pais na própria capacidade de ler os sinais de seus bebês.

Segundo os autores, as pessoas que são a favor do ciclo alimentar-brincar-dormir sempre alegam que a estratégia evita que o bebê se alimente excessivamente. O problema é que sessões muito frequentes ou prolongadas de amamentação podem ser sinais de que algo não está bem na amamentação, e estes problemas devem ser identificados e resolvidos. O espaçamento da alimentação está associado ao risco de fracasso na lactação, porque não resolve um problema real que pode estar acontecendo na amamentação.

Já a tabulação do sono consiste levantar e detalhar a duração média em que o bebê fica acordado durante o dia, antes que uma soneca seja necessária e também detalhar as durações dos sonos durante dia e noite. A tabulação normalmente vem acompanhada da classificação dos sinais de cansaço, e os pais são instruídos a interpretar um bebê chorando e reclamando, ou bebês incapazes de se acalmarem, na cota do cansaço.

O maior problema na tabulação do sono é a variabilidade, que ficou clara após a avaliação de todos os estudos. Por exemplo, aos 2 meses de vida, a quantidade de horas dormidas ao longo de 24 horas podem variar de 9 a 20 horas. Da mesma maneira, aos 3 e 6 meses, essa variação é de mais de 8 horas. Isso já faz qualquer tentativa de padronização ser ineficaz, então por que as pessoas possuem tanta dificuldade para entender que cada bebê é diferente?

Muitas vezes, o bebê é deixado em um cômodo escuro durante o dia, na crença de que ele está chorando ou está inquieto porque está super estimulado, ou exausto,  e de que isso pode atrapalhar a consolidação do sono à noite. Porém, os estímulos sensoriais não apenas melhoram o desenvolvimento neurológico do bebê, como também estão associados a um comportamento menos inquieto do bebê, quando associado com os cuidados baseados em sinais.

Isso não significa que o bebê não pode ficar super estimulado, mas a tentativa de padronizar estes sinais é falha. Os pais aprendem a entender os sinais do seu bebê através de tentativa e erro, experimentação, análise de contexto, reconhecimento de padrões do bebê, e não através de uma lista pré-definida de sinais de cansaço, que os pais devem ler e tentar encaixar seu bebê em algum item.

Os autores também observam que, clinicamente, toda essa promoção de intervenções comportamentais como estratégias preventivas, na realidade, criam uma situação de ansiedade desnecessária para muitas famílias. Isto é suportado pela evidência de sociedades em que as abordagens comportamentais para cuidados com o bebê são promovidas nas primeiras semanas e meses demonstram, paradoxalmente, altos níveis de ansiedade dos pais em relação ao sono dos bebês.

Hoje em dia, os pais possuem papéis complexos na sociedade, e são vulneráveis aos altos níveis de fadiga e estresse nos primeiros meses de vida do bebê, que é piorado se o bebê apresenta problemas de choro ou sono. Pais que passam por isso logo nas primeiras semanas de vida buscam ajuda profissional urgentemente. E é nesse momento que estes pais ficam vulneráveis aos métodos de treinamento de sono popularmente disseminados na nossa cultura.

Conforme o estudo demonstrou, as intervenções nos primeiros 6 meses de vida não reduzem o choro, nem previnem problemas de sono ou comportamentais na infância mais tarde, muito menos diminuem o risco de depressão pós-parto. Além disso, essas técnicas de treinamento apresentam grande risco de resultados indesejados, tais como aumento da ocorrência do choro, interrupção prematura da amamentação e aumento na ansiedade da mãe.

Como já estamos acostumados, nós, pais que buscamos uma criação diferente, mais sensível e amorosa, somos sempre questionados sobre as nossas escolhas. Estudos como estes são fundamentais para nos dar suporte, principalmente quando nos sentimos por baixo, ou quando somos questionados excessivamente (inclusive, por nós mesmos). A criação com apego preza o cuidado baseado no atendimento das necessidades do bebê, que são interpretadas através dos sinais que o bebê dá. Além disso, a importância de grupos de apoio, não só para a amamentação (como o estudo aponta), mas também para a criação, é imensa para os pais que estiverem passando por momentos difíceis com o choro e sono de seus filhos.

Agora, sempre que alguém pedir para eu provar que os métodos de treinamento para bebês dormirem não são bons, eu já tenho um link.


Referência:

Douglas PS, Hill PS.  Behavioral sleep interventions in the first six months of life do not improve outcomes for mothers or infants: a systematic review.  Journal of Developmental and Behavioural Pediatrics 2013; 34: 497-50

O artigo completo pode ser adquirido aqui.

Thiago Queiroz

Thiago Queiroz

Psicanalista, pai de quatro filhos, escritor, palestrante, educador parental, host dos podcasts Tricô e Pausa pra Sentir (dentre outros), autor dos livros "Queridos Adultos", "Abrace seu Filho", "A Armadura de Bertô" e "Cartinhas para meu pai", participou também do documentário internacional "Dads".

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Comentários

7 comentários em “Intervenção no Sono dos Bebês Pode Ser Prejudicial, Segundo Estudo”

  1. Tâmara Oliveira no Facebook

    Massa! Roberta Suffredini Costa, te serve de algo? Pra mim, tirou um peso grande das costas…

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