Um desejo que todos nós temos (e um dos motivos que me fez começar a escrever nesse blog) é que mais pais estivessem dispostos a participar ativamente de suas paternidades e, mais que isso, discutindo sobre o tema abertamente. Aqui no Rio, nos encontros da API Rio, apesar de eu encontrar cada vez mais pais apegados, vivendo sua paternidade de maneira bastante intensa, ainda são mães que compõem a grande maioria dos círculos de conversa sobre criação de filhos.
É claro, existem inúmeros fatores que contribuem para isso, mas um deles, sem dúvida, é que alguns homens não se interessam em vivenciar a paternidade de maneira tão intensa. E foi por conta disso que eu fiquei um pouco apreensivo quando fui convidado para falar na oficina “Paternidade, um novo homem vem aí”, pensando que não teria quase ninguém na sala. Ahhhh, as surpresas boas da vida…
Esse convite veio de um casal muito querido: Erika Guimarães e Glauver Piva. Eu os conheci através dos encontros do Ishtar Rio (grupo de apoio a gestantes e ao parto ativo), na época em que Anne ainda estava grávida. Na verdade, eu os conheci antes, quando li Parto com Amor, um livro que traz relatos de parto para lá de especiais, inclusive o parto da Erika. Este livro foi muito importante para mim, porque me ajudou a acabar com vários medos sobre o parto da Anne e me ajudou a quebrar vários paradigmas, o que acabou permitindo que eu entrasse de cabeça no parto domiciliar da Anne. Se você não leu essa história, pode encontrá-la aqui: O Livro Que Mudou Tudo.
Portanto, na quarta-feira da semana passada, eu estava lá, entrando em uma sala do SESC Sorocaba para participar de uma roda de conversas que giraria em torno do vínculo e da paternidade. E eis que eu me deparei com um grupo de quase 40 pessoas, das quais a grande maioria era composta por homens. Eu encontrei pais que foram sozinhos, futuros pais e mães, pais e mães de bebês pequenos, pais e mães de crianças, pais e mães de jovens adultos, pais e mães de adultos, homens e mulheres que ainda não tinham planos de ter filhos, mas que se interessavam pela discussão. Além disso, haviam homens e mulheres das mais diversas classes sociais, algo essencial para uma conversa diversificada e abrangente.
Todas aquelas pessoas estavam ali, na minha frente, interessadas em ouvir e falar sobre paternidade, criação de filhos e vínculo. Do meu lado, um homem que eu admiro desde o tempo em que Dante ainda estava na barriga da mãe: Glauber Piva. E todos nós estávamos ali, dispostos a conversar sobre nossas vivências e medos. Nossas dificuldades e alegrias.
Em tempos como os de hoje, em que falamos muito sobre conexão e vínculo entre pais e filhos, precisamos sempre estar conscientes de que um vínculo de apego seguro não é algo que vem com o tempo, sem trabalho. Vínculo requer esforço e dedicação. Vínculo é algo que se conquista a cada dia, todo dia. Enquanto não tivermos esse entendimento de que é necessário esse empenho para nos vincularmos aos nossos filhos e, mais ainda, que isso não é algo que se obtém gratuitamente e torna-se um bem adquirido permanentemente, nós nunca poderemos realmente mudar a maneira em que enxergamos o relacionamento que estamos construindo com os nossos filhos. É preciso sensibilidade para criar vínculo.
Por isso que rodas de conversas assim são tão importantes, porque elas provocam em todos nós uma reflexão de que criar filhos não é nenhum passeio no parque e um vínculo de apego seguro não é obtido de maneira automática. Para os pais que desejam assumir e respirar a paternidade de maneira tão intensa, buscando uma conexão tão forte e profunda com os seus filhos, esses então precisam entender que o papel de ajudante é pequeno demais para suas ambições parentais.
Mas uma roda de conversas dessas só tem sucesso se todos que estão nela se sentem à vontade para contar de suas próprias vivências e crenças. Foi o que aconteceu: em pouco tempo, pais estavam conversando sobre seus medos, dificuldades e, sobretudo, suas alegrias. Juntos, conseguimos desconstruir a visão de que uma paternidade necessariamente seria melhor ou pior que a outra, mas apenas diferente. Juntos, também, entendemos que cada um de nós estamos construindo nossas próprias histórias, mesmo que isso signifique reavaliar nossas próprias infâncias e validar a humanidade de nossos próprios pais (que, portanto, falham).
E essa vivência foi ficando tão poderosa, que acabou se expandindo para além do vínculo e para dentro das nossas próprias identidades. Na construção de nossas identidades enquanto pais, como poderemos lidar com a identidade dos nossos próprios filhos? Como lidar com o vínculo quando nossos filhos começam a moldar suas próprias identidades e percebemos que, por ironia da vida, nossas próprias personalidades são incompatíveis? Ou se não incompatíveis, que estejam se tornando indivíduos que nós realmente não desejamos que eles se tornassem? Se a chave é aceitar e amar incondicionalmente, precisamos estar confiantes e deixar nossos filhos descobrirem-se, sabendo que em nós encontrarão a fonte inesgotável de amor e aceitação que precisem.
Mas isso nem sempre é fácil, e quando os caminhos de pais e filhos começam a se afastar, o vínculo começa a enfraquecer. O vínculo enfraquece a ponto de permanecer por um fio, apenas. É possível desejar que nossos filhos sejam livres, desde que não passem daqueles limites que, na realidade, são nossos próprios limites? A posição em que nós dissemos que o problema está em nossos filhos que se afastaram de nós é muito mais cômoda do que nos perguntarmos por que nunca tentamos aceitá-los por quem eles realmente são. Afinal de contas, não é isso que nós sempre exigimos de nossos próprios pais?
Dentro deste processo de reconstrução de vínculo e busca por identidade, estava lá, naquele grupo tão especial de pessoas, um filho que levou seus pais para assistir a palestra. Eles ansiavam por buscar uma maneira de reparar o vínculo tão danificado, mas não imaginavam que o caminho para isso passaria por refletir sobre identidade e aceitação. Ou seja, precisariam conversar sobre o elefante que estava no meio da sala.
Embora muitos de nós sintam orgulho por ser diferentes dos pais, ficamos infinitamente tristes ao ver como nossos filhos são diferentes de nós. – Andrew Solomon, Longe da Árvore
Pessoalmente, eu sinto que esse será um dos maiores desafios dentro da minha própria paternidade. Ao passo que meu filho começa a crescer e a buscar sua própria identidade, a relação e o vínculo começam a ficar muito mais complexos. Afinal de contas, eventualmente (e felizmente), ele descobrirá que nem eu, nem sua mãe, somos o centro do mundo dele. Amar nossos filhos por quem eles são, e não pelo que eles fazem, é muito fácil fazer quando eles são bebês ou crianças pequenas. Como amar um filho por quem ele é, mesmo quando quem ele se torna não é exatamente algo que nós apreciamos?
Mesmo que isso ainda demore algum tempo, como no meu caso, é sempre muito importante refletir sobre assuntos como esses, porque eles querem dizer mais sobre nós mesmos do que sobre nossos filhos. E os impactos que nossos filhos, em busca de suas identidades, podem sofrer são imensos, dependendo da nossa própria (e limitada) capacidade de aceitação. Sem contar, é claro, com os impactos que isso teria em nossos próprios vínculos.
E foi assim: fui para Sorocaba pensando em falar sobre vínculo e criação com apego, mas voltei ainda digerindo uma vivência tão poderosa que ainda renderiam conversas para muitas outras rodas.
Eu nunca fui muito partidário de grupos paternos separados de grupos maternos, porque acho que o movimento todo ganha mais quando todos unem forças para criar filhos de maneira mais empática e respeitosa. Eu sempre penso que agregar é melhor do que segregar, mas agora entendo que, para um primeiro contato, é importante agrupar os homens como se, estrategicamente, pudéssemos dizer a todos eles:
– Olhem, não há nada de errado em conversar sobre sensibilidade, vínculo e amor. Cheguem mais que aqui é um lugar seguro.
Eu tenho muita esperança que essas conversas continuem lá em Sorocaba e permeiem cada vez mais círculos de paternagem e maternagem, e que todos consigam convergir em uma criação de filhos mais respeitosa e amorosa.
O que eu posso esperar para o futuro? Filhos que contem com pais sensíveis e dispostos a serem pais de verdade. Pais que não se contentam em ser ajudantes. Muita gratidão ao SESC Sorocaba, ao Movimento Parto de Gente e ao Ishtar Sorocaba pelo convite. Que esse movimento se fortaleça cada vez mais!
2 comentários em “Paternidade, Sensibilidade e Identidade”
Gostaria de agradecer por ter disponibilizado seu tempo para esta tão rica conversa!
Agradeço também pelas trocas de ideias e experiência de cada um daquele grupo.
Fica aqui registrado este agradecimento e irei sempre emanar forças para que você continue nesta caminhada.
No que precisar serei sempre um companheiro para estas conversas.
Um forte abraço,
Gustavo Romão
Querido Gustavo, gratidão pelas palavras! E espero mesmo que esse movimento prospere mais e mais!