Sabe essas bandeiras que carregamos? Bandeiras são a representação daquilo que acreditamos, do que vivemos, e todas as bandeiras que carregamos são definidas pelas nossas ideologias. Dentro do universo da criação de filhos, por exemplo, existem algumas bandeiras, como a bandeira da fralda de pano, a bandeira da amamentação, a bandeira da disciplina positiva, a bandeira da ausência de TV para os filhos, e mais tantas outras bandeiras que possamos imaginar.
Só que, às vezes (ou frequentemente), todas essas bandeiras começam a ficar pesadas demais para carregarmos, e a coisa perde o propósito inicial. É sobre isso que eu gostaria de abrir uma discussão aqui, com você.
O que fazer quando as bandeiras que carregamos, as causas que acreditamos e as expectativas que criamos ficam pesadas demais? Seria a hora de rever, flexibilizar, e até largar mão de algumas dessas bandeiras?
Por outro lado, certas bandeiras são realmente importante para nós, e continuamos a carregá-las, mesmo que em algum momento elas caiam no chão. Abaixamos, pegamos as bandeiras de volta e seguimos em frente.
É aí que, muitas vezes, um texto, um vídeo, ou até um comentário em um grupo de Facebook sobre como a palmada é ruim, ou sobre os danos severos da punição psicológica, pode ser bastante opressor. E eu tenho pensado bastante sobre essas coisas, ultimamente.
Quer dizer, claro, precisamos continuar falando sobre os malefícios da palmada e, principalmente, oferecendo alternativas respeitosas. Precisamos continuar falando sobre tudo isso, porque vivemos numa sociedade em que o normal é agredir, humilhar e ignorar crianças.
Por outro lado, é preciso humanizar as relações. A maneira com que escrevemos para o outro pode ser bastante opressora, mesmo que seja um comentário super curto em um tópico no Facebook. Opressora porque não sabemos do outro lado da história, porque o julgamento nos cega.
Não sabemos se a mãe que escreveu algo que você ache abominável, na verdade, está se sentindo completamente solitária, por cuidar do filho integralmente, seguindo os preceitos que ela acredita. Não sabemos do pai, que merece aquela voadora em um comentário, na verdade, está exausto por não saber mais o que fazer com o filho, porque mesmo sem muitas energias sobrando depois de um dia de trabalho, chega em casa para assumir os filhos e acaba gritando com eles.
Todos nós temos esses momentos de sentir os pesos dessas bandeiras que carregamos, e por isso que o exercício da empatia precisa ser constante. É mais produtivo acolher, ao invés de julgar. E a coisa toda é um ciclo: precisamos não só acolher os nossos filhos, mas a nós mesmos, porque não podemos oferecer o que não temos. Não podemos mesmo.
Lá em casa, por exemplo, naqueles dias bem difíceis, temos uma frase que sempre alivia as pressões que colocamos em nós mesmos:
— É o que tem para hoje.
Claro, eu não gostaria que meus filhos ficassem assistindo TV de noite, por 1 ou 2 horas mas, dependendo do dia, estamos tão cansados que, se resolvermos seguir firmes na nossa crença de que eles não deveriam assistir TV por tanto tempo, passaríamos o resto daquela noite gritando e brigando com os nossos filhos. É uma escolha.
— Mas você não sabe dos malefícios do excesso de tela em crianças?
— Ah, sei, mas é o que tem para hoje.
Nessa escolha, optamos por abrir mão de algumas crenças, para que a relação do dia-a-dia seja mais leve. E isso não diz respeito apenas à TV, mas tudo aquilo que você acredite e que, talvez, tornou-se pesado demais num dado momento.
Contudo, se falamos “é o que tem para hoje” muito frequentemente, então é sinal de que tem alguma coisa errada e que precisamos pensar. Talvez eu tenha que sair mais cedo do trabalho por alguns dias, até essa fase passar, ou talvez precisemos de alguma ajuda específica, mas se estamos frequentemente abrindo mão do que acreditamos para sobrevivermos ao dia, então só existem duas explicações:
- ou precisamos rever nossas expectativas e o peso dessas bandeiras;
- ou precisamos de ajuda.
Por isso, nem sempre aquilo que você faz é porque você acredita. E isso não pode fazer de você uma pessoa melhor ou pior. É mais que isso, é sobre pessoas que podem estar em um desafio grande em suas vidas.
É como se existissem dois grupos que se diferem bastante entre si. No primeiro grupo, estão as pessoas que acreditam em palmadas, gritos e punições como métodos aceitáveis de se educar filhos. E no segundo grupo, estão as pessoas que sabem de todos os malefícios dessas práticas, mas que estão passando por alguma dificuldade maior e podem escorregar aqui e ali.
As pessoas do primeiro grupo, sim, elas precisam de muita informação para que possamos oferecer uma perspectiva diferente sobre criação de filhos. Já as pessoas do segundo grupo, bem, essas só precisam de acolhimento mesmo.
Criar filhos não precisa ser um martírio.
4 comentários em “Sobre as Bandeiras que Carregamos”
Muito bom Thiago! Acolher a nós mesmos, é isso. O chicote da culpa insiste em nos açoitar muitas vezes, em mim bate até uma “deprezinha”… Quando idealizamos muito a materinidade/paternidade, impossível não se decepcionar consigo próprio. E só descobrimos que mãe/pai seremos, e que filho teremos, na prática. Não são raras as vezes em que eu preciso ouvir um “tudo bem, você está fazendo o seu melhor”. Adorei a frase, e acho que vou usar aqui: É o que tem pra hoje! Obrigada Thiago!
excelente Thiago!
me enxerguei bastante nessa situação em que é melhor abrir mão um pouquinho do que achamos o ideal do que deixar a coisa toda descambar…
mas não tem jeito, quando deixo meu filhote mais velho vendo netflix (patrulha canina santo deus) bate uma bela dor de consciência…
Nem me fale em Patrulha Canina! Hahahaha 😉
Thiago, amei o texto. Me fez muito bem lê-lo. Às vezes carregar todas essas bandeiras se torna muito pesado no dia-a-dia. É difícil lidar com a culpa quando acabamos liberando o doce ou a TV.
Obrigada!