Ainda existe muita má-interpretação sobre o que é a disciplina positiva de verdade, e muitas pessoas acabam deixando de conhecê-la a fundo por causa desses preconceitos. Por isso, eu acho que é tão importante falar não apenas sobre a disciplina positiva, mas principalmente sobre os temas que são polêmicos ou pouco difundidos.
Uma das maiores confusões que existe ao redor da disciplina positiva é, coincidentemente, o que mais a diferencia de outras disciplinas mais difundidas, como a permissividade ou o autoritarismo: o limite.
Muitas pessoas têm a impressão de que, na disciplina positiva, não oferecemos limites aos nossos filhos. É como se eles pudessem fazer absolutamente tudo o que desejarem, no tempo que pretenderem.
A coisa não é bem por aí. Na verdade, é bem longe disso.
Só que para entendermos melhor como isso funciona, precisamos falar sobre um dos conceitos básicos da disciplina positiva.
Gentileza e Firmeza
O binômio “gentileza e firmeza” foi proposto pela própria Jane Nelsen, autora do livro que começou tudo: Disciplina Positiva. Para ela, os conceitos de gentileza e firmeza representam o foco das nossas ações, em relação aos nossos filhos.
Por exemplo, quando somos gentis com os nossos filhos, levamos em consideração seus sentimentos e necessidades para tomarmos uma decisão. Aqui, nós olhamos para os nossos filhos e tentamos entender como podemos ajudá-los com o que eles precisam.
Por outro lado, quando somos firmes com os nossos filhos, levamos em consideração as necessidades e sentimentos das outras pessoas que estão ao redor dos nossos filhos, naquele dado momento. É como se olhássemos para o contexto em si, e não para os nossos filhos.
Entendendo a ideia de gentileza e firmeza, fica fácil entender como que isso se encaixa com a disciplina autoritária e a permissiva, não? No autoritarismo, somos firmes com os nossos filhos todo o tempo, ou seja, levamos em consideração apenas o contexto e as outras pessoas. Já na permissividade, somos gentis com os nossos filhos, sempre levando em consideração seus sentimentos e necessidades, nada mais.
E a disciplina positiva? Bem, ela é como se fosse um equilíbrio das duas ideias, então estaríamos levando em consideração as necessidades e sentimentos dos nossos filhos, mas também avaliando o contexto e outras pessoas envolvidas.
Essa já é uma grande diferença da disciplina positiva para as outras disciplinas. Porém, na minha opinião, não é a maior de todas.
E os limites? Eles existem?
Sim! Os limites existem na disciplina positiva!
É a maneira como nós impomos esses limites na disciplina positiva que é justamente a maior diferença dela em relação às outras disciplinas.
Mas antes de entrarmos em detalhes sobre como impomos limites na disciplina positiva, é importante lembrar também que os limites existem naturalmente na vida de uma criança, e que pode ser bastante improdutivo impor limites apenas porque nós desejamos ensinar uma “lição” aos nossos filhos.
Por exemplo, nossos filhos não podem voar. Isso já é um grande limite natural para os nossos filhos. Bem óbvio, né? Mas também nossos filhos não podem ter todos os brinquedos do mundo. E por que? Porque, em primeiro lugar, não temos todo esse dinheiro, mas você também pode estar pensando que incentivar o consumismo não deve ser algo desejável.
Isso é diferente de não dar um carrinho para o seu filho, porque “ele precisa saber que não pode ter tudo, porque a vida é dura e que se eu não ensinar isso agora, ele vai apanhar da vida”.
A diferença pode ser sutil, mas é bem diferente.
Como aplicar os limites, então?
Já entendemos que os limites existem e que os limites saudáveis precisam sim ser aplicados aos nossos filhos. Mas ainda assim podemos fazer isso de várias maneiras, e vou mostrar isso com o exemplo do filho que quer comprar alguma coisa na loja de brinquedos. Nesse exemplo, nós não compraremos o brinquedo e temos que lidar com uma crise de choro do filho, enquanto trabalhamos esse limite:
- Você pode passar um sermão sobre por que ele não pode ter aquele brinquedo, passando por todo aquele “você precisa saber que não pode ter tudo, porque a vida é dura e que se eu não ensinar isso agora, você vai apanhar da vida”.
- Você pode ameaçar colocá-lo de castigo (ou até bater) caso ele não pare de chorar instantaneamente.
- Você pode comprar o brinquedo para fazer a criança calar logo a boca.
- Você pode empatizar com o seu filho, e demonstrar que você entende que ele esteja triste e frustrado por não levar aquele brinquedo. Você reconhece que os sentimentos dele são reais, mas que infelizmente não poderá comprar aquele brinquedo.
Se você escolheu as alternativas #1 ou #2, então provavelmente você tem uma visão autoritária sobre os limites e, principalmente, sobre como eles devem ser empregados. Se você foi com a opção #3, talvez a sua visão tenda mais para o lado permissivo que, de fato, não oferece tantos limites assim para o seu filho.
Mas, se você percebeu que a opção #4 pareça ser uma alternativa bastante interessante, então você entendeu como empregamos limites na disciplina positiva. Nós mantemos os limites, mas empatizamos com os sentimentos e necessidades que nossos filhos possam apresentar.
Essa é a grande diferença da disciplina positiva: os limites existem, mas nós acolhemos os nossos filhos em seus sofrimentos que possam surgir por causa dos limites.
Afinal de contas, eles já estão sofrendo o bastante com seus sentimentos negativos, não precisamos piorar a situação deles adicionando elementos de medo, humilhação ou vergonha.