Se tem uma coisa que eu sempre vejo as pessoas comentando é essa preocupação enorme sobre os possíveis efeitos negativos de amar demais os nossos filhos. Eu entendo que essa é uma preocupação genuína de muitos pais e mães, afinal de contas, tem um mundo inteiro de pessoas dizendo que vamos estragar os nossos filhos, se dermos amor demais para eles.
Então, vamos à fatídica pergunta: o que é amar demais um filho?
Qual seria o limite para amar os nossos filhos, de forma que isso fosse considerado saudável? Será que teríamos que amá-los uma parte do tempo e, então, odiá-los por algumas horas, para equilibrar as coisas? Será que existe uma proporção ideal entre beijos dados e gritos proferidos, para que a relação entre pais e filhos mantenha-se equilibrada?
Pois é, mesmo que nós quiséssemos, não dá para dosar o amor que damos para os nossos filhos. Pelo menos, não intencionalmente. Não faria sentido. Esse amor consistente, esse amor incondicional, é justamente o que vai construir — e fortalecer — o vínculo que buscamos construir com os nossos filhos.
É sabendo que eles sempre serão amados pelos pais, que os nossos filhos sentirão segurança para crescer. Isso só acontece porque eles sabem que podem contar, sem preocupações, com o nosso amor, como um porto seguro. O amor incondicional que podemos oferecer é uma relação afetiva em que não é necessário atender nenhuma condição para ser amado. É esse amor que dá a segurança aos nossos filhos para que, mesmo quando eles errarem, mesmo quando o mundo disser que eles não merecem ser amados, eles saibam que são amados por nós.
Ainda assim, muitas pessoas se perguntam se estão errando ao dar amor demais aos seus filhos. Sempre me perguntam o que pode acontecer, se eles amarem demais. Será que vão ficar mimados? Será que não terão limites? Será que vou estragar meus filhos?
Uma mãe leitora do blog, uma vez, me pediu ajuda por email, dizendo que sentia-se muito perdida e angustiada por ter toda uma sociedade dizendo que ela estava estragando a filha dela. Ela tem uma filha que, na época, tinha 13 meses e, um dia, quando a filha estava com sono e bem agitada, ela subia e descia do sofá várias vezes. A mãe não achou necessário intervir, principalmente porque entendia o que estava acontecendo com a filha, mas uma pessoa que estava ali sentiu-se no direito de dizer, olhando para a filha dela:
— Muitos dos que estão no presídio hoje começaram assim.
Sério mesmo? É sério que uma pessoa consegue falar uma coisa dessas para uma mãe ou para um pai? Como é que uma pessoa tem a capacidade de sentenciar um bebê à cadeia porque ele sobe e desce do sofá insistentemente?
O pediatra espanhol Carlos González falou, certa vez, sobre os fictícios problemas que são causados quando uma criança é “amada demais”:
Não existe nenhuma doença mental causada por um excesso de colo, de carinho, de afagos… Não há ninguém na prisão, ou no hospício, porque recebeu colo demais, ou porque cantaram canções de ninar demais para ele, ou porque os pais deixaram que dormisse com eles. Por outro lado, há, sim, pessoas na prisão ou no hospício porque não tiveram pais, ou porque foram maltratados, abandonados ou desprezados pelos pais. E, contudo, a prevenção dessa doença mental imaginária, o estrago infantil crônico, parece ser a maior preocupação de nossa sociedade. Carlos González
Pronto: o que estraga o mundo é a falta de amor, não o excesso de.
Na época, uma das coisas que eu respondi à mãe que me pediu ajuda foi: ignore solenemente. O maior sintoma de que vivemos em uma sociedade muito doente é quando as pessoas param de ter empatia e compaixão por bebês e crianças. Quando as pessoas começam a enxergar a maldade nelas, dizendo que tudo o que elas fazem é premeditado, que as birras são para nos desafiar, e que elas arquitetam coisas extremamente maquiavélicas só para fazer das nossas vidas um inferno. Não preciso nem dizer que isso, na verdade, é uma projeção da maldade que temos dentro de nós, né?
Mas agora, talvez você esteja pensando:
— Ah, você está exagerando. Você sabe que não é esse o problema. A grande questão é que essas crianças, que são muito amadas e mimadas, são criadas sem limites. E, quando crescem, tornam-se adultos sem limites que não respeitam a lei.
Existe toda uma questão ao redor dos limites. Muitas pessoas, inclusive, acreditam que nós não damos limites aos nossos filhos, porque aplicamos a disciplina positiva. A discussão sobre esse tema é bem extensa, e eu fiz um vídeo sobre isso no meu canal, mas o resumo de tudo é que sim, nós damos limites. A diferença é que os limites que estabelecemos são aplicados de forma empática, carinhosa e consciente. Se você tiver interesse, eu me aprofundo mais nesse tema no vídeo abaixo:
E se, mesmo depois de ter lido tudo o que você leu até aqui, você ainda não se convenceu de que a sociedade não está toda bagunçada porque as crianças estão sendo amadas demais, assista esse trecho do documentário Humano — O Filme e depois comente aqui no post sobre o que você achou.
https://www.facebook.com/humanoofilme/videos/134635170280011/
Nossos filhos precisam de amor e acolhimento, não agressão e humilhação.
2 comentários em “Amor Demais Estraga os Filhos?”
Amor não tem medida! É isso o que nos torna humanos, verdadeiramente. A capacidade de amar. Eu acredito muito que uma formação familiar amorosa é capaz de mudar o mundo, pois a mudança vem como efeito dominó. Crio meu filho com amor e ele cresce e dissemina esse amor. Acho isso tudo tão claro!
Perfeito,
Thiago! Eu acho muito engraçado essa história de que criar com apego é não dar limites. Já ouvi isso várias vezes de parentes, como se fosse mais “fácil” criar um filho na base da conversa. Só que comparando o que eu aplico com outras famílias, vejo que na verdade é muitíssimo mais fácil criar um filho com castigo e violência física e/ou psicológica. Criança (ou na verdade qualquer ser humano) “responde” muito mais rápido a punição e ao medo. Experimenta deixar um bb chorando até dormir por 1 semana. Em poucos dias vc “quebra” o “mau comportamento”, essa mania dos bbs de não nascerem sabendo dormir (ironia, óbvio). O problema é que as pessoas não param pra pensar que isso ensina a criança não a ser intrinsecamente boa, mas a ser submissa ao medo. Agora experimenta ensinar a uma criança que tal comportamento não é aceitável, ensiná-la a ser paciente, a controlar suas emoções negativas, não na base do medo e da ameaça mas conversando e fazendo a criança realmente entender como conviver em sociedade e como ser empática. Isso é dificílimo! Um trabalho insano diário, um desgaste físico e emocional imenso pros pais! E ainda temos que ouvir dos outros que optamos pela permissividade e que não damos limite por ser o caminho mais fácil.
Outro dia eu falei pra uma amiga o porque de eu ser contra o castigo, que eu queria fazer meu filho entender o comportamento e não apenas ter medo de ser punido. Sabe o que ela me respondeu? “Ah, mas isso vai demorar anos” (?!?!). Isso resume bem o pensamento da maioria das pessoas: tem que ser cessado o “mau comportamento” da criança imediatamente porque causa transtorno aos pais; mas não se pensa na construção do caráter dessa criança no longo prazo.