Eu, um homem que havia crescido sem saber que meus sentimentos eram importantes, de repente descubro que vou ser pai. No primeiro momento, uma onda de euforia, afinal de contas, mesmo sem planejamento, era um sonho que estava se realizando. Aos poucos vieram as reflexões.
Durante os mais de seis anos de relacionamento com minha esposa, já conversávamos sobre vários assuntos em que nos perguntávamos como seria quando tivéssemos filhos e agora esse momento era muito real. O principal questionamento que tinha na minha cabeça sempre foi: o que vou ensinar para o meu filho? Comecei a pensar em tudo que meus pais fizeram por mim e o que mais sinto falta de não ter tido no meu desenvolvimento. Veio-me quase de imediato uma resposta muito dura: eu não sei lidar de fato com meus sentimentos. Aninha, minha esposa (sensacional e fundamental em todo esse processo que estou passando), sempre me incentivou a expor minhas vontades, minhas opiniões, meus sentimentos e a enxergar que eu não sou responsável (leia-se culpado) por tudo que acontece na vida daqueles que estavam à minha volta. Mas isso nunca foi fácil para mim.
Para tentar lidar com isso tudo, assim que descobrimos a gestação, peguei um caderno que tinha em casa e comecei a escrever sobre o que sentia diariamente, meus conflitos, minhas alegrias, minhas descobertas, tudo! O que seria uma solução se tornou mais uma cobrança e como não soube encarar aquela situação, com muito pesar, optei por não dar continuidade com o diário. Minha maneira de reagir a qualquer sentimento sempre foi me calar, trancar aquilo dentro de mim e deixar que me corroesse pouco a pouco até que se perdesse aqui dentro.
Só que a paternidade me transformou. Desde o primeiro momento, tudo que estava reprimido dentro de mim começou a rugir. Era como um animal selvagem querendo se libertar de uma jaula forjada no mais resistente dos metais e que se reforçava com o passar do tempo. Qualquer coisa que sentia, que na maioria das vezes sequer conseguia identificar do que se tratava, era motivo para chorar. Por não me conhecer, o desespero e a tristeza me acometiam. Nessas horas minha parceira foi e ainda é fundamental, sempre se mostrando disposta a me ouvir e me ajudando a entender o que era aquilo, sem querer me dar respostas, mas me incentivando a buscá-las por mim mesmo.
No meio desse turbilhão, procurei ler mais, ouvir mais, ver vídeos, filmes, tudo que pudesse me ajudar a ampliar minha visão, e quem sabe abrir meu coração. Destaco duas fontes de entretenimento que contribuíram nesse processo de descoberta e construção: o livro O Pequeno Príncipe me ajudou a atentar para a importância de preservar a inocência e naturalidade das crianças, incentivar a imaginação delas, e como elas aprendem as coisas. E o documentário The Mask You Live In, que pareceu ter sido feito para mim, pois trata muito especificamente sobre essa minha dificuldade de lidar com meus sentimentos e como isso era muito fruto da nossa sociedade machista. Homens são ensinados a estar em constante competição e, claro, sempre tem que vencer. Mesmo que para isso precise passar por cima daquilo que sente, não ter compaixão nem empatia pelos seus adversários e muito menos demonstrar suas fraquezas, como se isso não fosse ser humano. Eu não era diferente disso.
Todos esses fatos e gatilhos influenciaram de forma positiva um prisioneiro que gritava dentro de mim: como você será capaz de ajudar seu filho a lidar com os próprios sentimentos se você não consegue fazer o mesmo para si? Era hora de promover uma mudança e o tempo não seria piedoso comigo. As situações seriam cada vez mais frequentes e relevantes.
Quando Francisco nasceu, tive certeza que aquele momento era o maior divisor de águas pelo qual passaria na minha vida, a partir dali eu deixava de ser o humano, o marido, o profissional e passava a ser, acima de tudo, pai. Quando vi meu filho pela primeira vez, tinha certeza que ia ser uma vida inteira de aprendizado. E como tem sido!
A cada dia, tento me conectar mais com meu filho querendo construir nosso vínculo. Numa dessas tentativas, num diálogo com minha esposa, tivemos um momento de esclarecimento muito marcante. Chico estava chorando no meu colo e tudo que eu fazia era embalá-lo e cantarolar, na esperança que ele se acalmasse. Nisso, Aninha me sugeriu: “Conversa com ele. Tenta demonstrar que você se solidariza com o que ele está passando. Que é frustrante querer algo e não saber dizer. Querer dormir e não saber como fazer. Diga que você está presente para ajudá-lo!”.
Nessa hora, me veio um dos esclarecimentos que foi uma das pancadas mais duras que recebi: eu não sabia acolhê-lo, porque cresci sem ser muito acolhido. Sabe quando você se machuca e ouve: “Não foi nada, menino! Levanta e continua brincando que passa.”; Quando você passa por um conflito na adolescência e ouve: “São só seus hormônios. Com a idade isso se resolve.” Quando você passa por uma frustração e tudo que lhe é dito é: “Que bobagem! Quando você for adulto você vai ver o que é preocupação de verdade!”…
Muitas vezes, nem isso eu ouvia. Não que meus cuidadores não quisessem me ajudar, mas isso também lhes foi negligenciado, e eles não sabiam o que fazer. Acreditavam que o melhor que podiam fazer por mim, era me deixar aprender a cuidar do que sentia por mim mesmo.
E de tanto receber esse tipo de resposta da vida, nunca tentei entender do que se tratava, assim como fui desenvolvendo uma “habilidade” de que não deveria contar com as pessoas para me ajudar e que tudo aquilo era irrelevante. Muitos momentos pelos quais já passei, talvez sequer tenha identificado que fosse uma situação complexa, pois de tanto relevar, tudo foi se tornando indiferente na minha vida.
Essas vivências me propiciam expandir minha visão. Hoje sou uma nova pessoa em processo de aprendizado acelerado, em que minha principal fonte é aquele também que mais preocupo em ensinar que a vida pode e deve ser mais leve. Quero muito que meu filho entenda que os sentimentos dele são importantes sim. Quero participar das descobertas dele. Quero que ele entenda que ele tem fraquezas e isso é normal. Que ele vai errar e isso também é natural. Quero estar sempre atento para acolhê-lo nesses momentos e para aprendermos juntos em cada um deles.
Um grande abraço a todos!
2 comentários em “Aprendendo a Sentir”
Que processo lindo! Parabéns pela coragem de encarar sua Sombra.
O melhor texto que li, em muito tempo. Muito Obrigado!