— Ahhh, mas vou cortar as suas asinhas rapidinho!
Levante a mão quem já ouviu isso! Estou aqui levantando as duas mãos, e penso que a maioria de nós, pais e mães, já ouvimos frases assim durante as nossas infâncias. Mas qual será o impacto dessas palavras? Você já chegou a pensar sobre isso?
Eu comecei a pensar sobre isso quando me dei conta que era justamente esse um dos meus maiores medos enquanto pai: cortar as asas dos meus filhos.
Claro, eu provavelmente nunca falaria essas palavras para os meus filhos, mas sabemos muito bem que a maioria das mensagens que passamos para os nossos filhos são, vejam só, não verbais. É através dos gestos, das nossas respostas, que podemos estar cortando as asas dos nossos filhos. Isso acontece um pouquinho a cada vez que dizemos:
— Eu não quero saber o que você quer falar, blá blá blá.
— Não me interessa o que você viu, blá blá blá.
Todas essas são variações da primeira sentença lá em cima, e todas elas levam consigo a mesma mensagem: a de que os nossos filhos, suas opiniões, emoções, sentimentos, pensamentos e desejos não importam. E o que importa então? O que os adultos determinam e sentenciam.
Eu mesmo já falei para os meus filhos, quando eu já estava exausto de tanta briga (o que não é tão raro assim de acontecer):
— Eu não quero saber o que você falou e o que ele fez, resolvam isso agora!
Dói o coração só de lembrar, mas é verdade, dizemos coisas horríveis quando estamos cansados e desesperados. Agora, qual é o impacto disso? Como reverter uma situação dessas?
Em primeiro lugar, o impacto é bastante claro: a criança percebe que o que ela pensa ou sente não tem valor para seus pais. E, se isso se torna algo frequente na relação entre pai e filho, ela passa a incorporar essa percepção não apenas sobre seus pensamentos e sentimentos, mas sobre si própria. Ou seja, ela mesma não tem valor para seus pais. Percebe que não vale a pena explicar, argumentar ou dialogar e, por consequência direta, o canal de diálogo é fechado. Não é de se espantar que essas crianças cresçam e tornem-se adolescentes que não contam nada aos seus pais, afinal, a mensagem que eles passaram ao então adolescente sempre foi clara: “você não importa”.
Pense agora, e tente se lembrar como era na sua infância. Pode ser que isso tenha acontecido com você em algum nível, como aconteceu comigo. Mas a chegada dos filhos traz consigo uma oportunidade única de fazer as pazes com o passado e se curar. Não que os nossos filhos farão isso, até porque eles não têm essa responsabilidade, mas a chegada dos filhos faz com que nós queiramos “arrumar a casa”, mesmo que essa casa seja a bagunça interna dos nossos corações.
E, nesse momento, precisamos refletir sobre o que, de fato, “cortar as asinhas” quer dizer. Significa quebrar o espírito de uma criança, moldar à força uma personalidade, arrasar potenciais naturais de uma criança. E, em última instância, botar fogo na ponte que liga você aos seus filhos.
Então, se você me perguntar qual é o meu maior medo em relação aos meus filhos, não tem nada a ver com escola, briga de irmãos, ou coisas do gênero. O meu maior medo é que, mesmo com a melhor das intenções, eu esteja cerceando a liberdade deles de alguma forma. Que eu não consiga enxergar seus verdadeiros potenciais, e “passe por cima” disso, tentando conformá-los naquilo que eu acho que é o melhor para eles.
Difícil ter filhos, né? Sei bem…
Mas podemos fazer um combinado aqui e dizer aos nossos filhos, pelo menos uma vez por dia:
— Você importa.
6 comentários em “Cortando as Asinhas dos Nossos Filhos”
Obrigada por compartilhar tanto conhecimento! Uma ajuda: sigo seus textos e procuro fazer combinados c minha filha de 3a. Na hora de ir embora , aviso 5 minutos antes que iremos. Quando chega a hora combinada, por vezes ela não quer, me “bota a língua “, diz que nao mando…. aí seguro fisicamente ela no colo, sem gritar ou ameaçar, e levo embora. Sinto que estou sendo firme, mas ela fica muito brava. Estou sendo desrespeitosa? Tem algum tópico seu p indicar?
Gostei muito do Texto, muito esclarecedor
Oportunidade de organizar a bagunça do passado. Que legal isso. Reflexão…….
É intenso isso de criar filhos e se ver reproduzindo ideias e falas que tanto nos magoaram na infância.
Sensacional o texto!!
Obrigado, Carol!