Nesses tempos doidos, onde encantadoras de bebês, super babás e demais adestradoras de crianças ditam a maneira com que nós criamos os nossos filhos, muita gente pensa que disciplinar nossos filhos é questão de seguir algumas regras criadas por autoras de livros best-sellers e pronto, os filhos estão criados.
Hmmm, bem, não é assim.
Ajudar os nossos filhos a trilhar seus próprios caminhos através do afeto e do respeito é muito difícil, principalmente para nós, pais e mães, que fomos criados por pais e mães tão autoritários. Guiar nossos filhos, mostrando a eles a diferença entre o certo e o errado, tentando passar para eles os nossos valores éticos, é algo que é muito mais difícil do que parece. E é por isso que não é possível escrever um post “ensinando” a disciplinar filhos dessa maneira, porque isso não existe. Disciplina é uma via de mão dupla e dia após dia, pais e filhos aprendem e se ensinam como viver nesse mundo.
Mas eu posso fazer uma coisa: posso escrever por que eu penso que o famoso “cantinho do pensamento” é uma porcaria.
Muitas pessoas pensam que o “cantinho do pensamento” é a cereja do bolo, mas não é. Na verdade, é a rachadura na parede que você não dá importância, mas que só vai aumentando. E por que, então, é um método tão famoso e considerado tão infalível? Eu diria que se deve ao fato de que, quando se trata de filhos, as pessoas tendem a pensar no curto prazo, no resultado imediato. O “cantinho do pensamento” dá resultado imediato, claro. Ele tira a criança, forçadamente, da situação em que ela se encontra incomodando seus pais.
Mas e aí? É só isso? Não, não é só isso. Artifícios de disciplina como o “cantinho do pensamento” vão minando, aos poucos, o vínculo que existe entre pais e filhos. Técnicas como essa não funcionam a médio e longo prazo e, por isso, eu acho que o “cantinho do pensamento” é uma porcaria. Tem tanto a se escrever sobre como essa técnica deveria ser excomungada da casa das pessoas, que eu vou tentar listar os motivos mais importantes aqui.
Você passa a mensagem errada para a criança
Quando você coloca o seu filho no “cantinho do pensamento”, você passa a mensagem errada para a criança. Enquanto você pensa que está dizendo ao seu filho:
– Eu quero que você vá para o “cantinho do pensamento” pensar no que você fez de errado.
Na verdade, você está dizendo isso ao seu filho:
– Eu só gosto de você quando você cumpre as minhas condições.
Forte, né? Incomoda, não? Desce meio quadrado pela garganta, né mesmo? Pois é assim mesmo que a mensagem chega para o seu filho. A mensagem principal que você dá para o seu filho através do “cantinho do pensamento” é que o amor é condicional. Que a criança precisa obedecer certas condições para ser amada e aceita. Você pode estar pensando agora:
– Mas peraí, não é isso que eu quero dizer para o meu filho!
Eu imagino que não, ninguém quer dizer isso! Mas acabamos dizendo nas entrelinhas. Nossos atos precisam refletir nossas desejos, e nós precisamos mostrar aos nossos filhos que o nosso amor é incondicional, que eles sempre serão aceitos pelos seus pais, sobretudo quando eles erram.
Afinal, se nós, pais e mães, não somos quem irão aceitar e amar nossos filhos sob qualquer circunstância, quem mais?
Você manda a criança pensar no que fez, só que não
Quando você manda seu filho para o “cantinho do pensamento”, você imagina que ele irá pensar sobre o que ele fez de errado e sobre por que você o colocou ali. Vamos parar por um momento e refletir: o que estamos exigindo dos nossos filhos condiz com a capacidade deles?
Imagine uma criança de dois anos, que ainda tem dificuldades de lidar com emoções fortes, como frustrações. Agora, imagine se essa criança terá alguma capacidade de lidar com pensamentos altamente abstratos, como os que você exige dela no “cantinho do pensamento”? O psicólogo Jean Piaget, por exemplo, disse que o desenvolvimento infantil ocorre de maneira tal que, a partir dos 7 anos, a criança começa a abstrair dados da realidade, mas somente aos 12 anos que a criança consegue atingir a capacidade da abstração total.
Ou seja, é extremamente ineficaz colocar uma criança para pensar sobre o que ela fez de errado. Mas sobre o que então ela irá pensar? Ué, sobre um monte de coisas, como a cor da parede, a fome que ela está sentindo, o brinquedo que está no chão e coisas do tipo. Além disso, o pensamento da criança pode ficar confuso com a mistura de sentimentos ruins provocados pelo castigo, que ela ainda não sabe lidar: rejeição, vergonha, medo, raiva e tantos outros sentimentos que nós não desejaríamos para nós mesmos.
Mas isso significa, então, que crianças a partir dos 7 anos, talvez 12 anos, podem ir para o “cantinho do pensamento”? De maneira nenhuma, e todos os outros motivos que eu apresento nesse post servem para justificar isso.
Você foca no comportamento, ao invés da relação
O problema da disciplina tradicional, que busca punir ou recompensar a criança, é que nos condiciona a pensar e agir sobre o comportamento. A partir daí, nós somos levados a pensar que o comportamento é um problema a ser resolvido, mas esse é um pensamento muito limitado. Pensar no comportamento como um problema é ignorar as necessidades não atendidas da criança por trás de um determinado comportamento.
Por mais difícil que seja fazer isso no dia a dia, é muito importante olharmos para a nossa relação com os nossos filhos, quando eles fazem algo que nós reprovamos por algum motivo. O que está faltando na relação? O que eles estão sentindo? O que eles querem dizer, fazendo isso? Perguntas como estas nos ajudam a enxergar o comportamento (e, principalmente o “mau comportamento”) como um meio de comunicação dos nossos filhos, acima de tudo.
Quase sempre, um “mau comportamento” é uma maneira de nossos filhos comunicarem uma necessidade não atendida que, muitas vezes, nem eles sabem como comunicar. Por exemplo, a criança que vai ao restaurante com os pais e começa a fazer um escândalo; será que ela não está cansada e desesperada para dormir? Ou um filho que fica muito agressivo quando o pai chega em casa; será que ele não está pedindo ajuda, porque deseja um vínculo mais próximo com o pai que ficou o dia inteiro fora?
Mudar o foco do comportamento para a relação é, talvez, uma das mudanças mais desafiadoras que precisamos fazer, quando optamos pela disciplina positiva. Não é como um interruptor, que você muda e pronto, mas é algo que você precisa reforçar a cada momento em que o seu filho faz algo que você não gosta. Um dia de cada vez. É assim comigo.
Você afasta seu filho quando ele precisa de você
A última coisa que nós, pais e mães, queremos é nos afastar de nossos filhos. Tudo o que buscamos fazer é nos aproximar dos nossos filhos, incentivando que os vínculos que criamos com eles sejam fortes e saudáveis.
Entretanto, afastamos nossos filhos no momento em que eles fazem algo de errado.
No momento em que eles mais precisam de acolhimento, nossos filhos recebem afastamento como resposta. Eu sempre fico imaginando que, se toda a vez que eu cometesse um erro qualquer, minha esposa me mandasse dormir na sala, o meu casamento seria uma porcaria. Amar é aceitar, é acolher, é estar próximo.
Se nós acostumamos nossos filhos com pais distantes desde o berço, seja deixando-os chorar sozinhos em um quarto ou seja colocando-os de castigo sozinhos, por que é que nós ainda nos surpreendemos quando eles crescem e se distanciam de nós? Nossos filhos não se distanciam de nós quando crescem, nós que nunca estivemos próximos a eles.
Vamos combinar uma coisa? Que tal tirar o banquinho do canto do quarto e colocar um vaso de flores no lugar?
Ah, e se você ficou com interesse de ler (e assistir) mais sobre o assunto, tem aqui no blog um texto sobre Os 3 Problemas do Castigo e um vídeo no meu canal do YouTube só sobre isso:
178 comentários em “Cantinho do Pensamento: Por Que É Uma Porcaria?”
eu acho que esse cantinho do pensamento uma tremenda besteira, mas pq eu acho que dependendo da idade da criança ela nem sabe o que pensar, pq ela não sabe onde errou, aqui em casa é explicação sobre o erro dela, os fundamentos e exemplos pq é errado e depois fica logo uma semana de castigo, se for reincidente ai ta ferrada mesmo perde logo tudo, pq errar é humano repetir o mesmo erro é burrice e burro tem que se fuder mesmo .
Quanta besteira…
Ridículo
Concordo plenamente! Aqui em casa a gente conversa muito sobre tudo. Explico p ela o pq a mamãe não gosta de certas atitudes e ela me fala o pq ta fazendo tal coisa. Ela só tem 2 aninhos. E consegue me dizer tudo q incomoda. Estamos sempre juntas p solucionar um problema. Graças a Deus nunca usei esse tal "cantinho do pensamento". Uma realidade esse post.
Eu gostaria de tocar num tema um pouco mais complicado – o respeito – as crianças estão tão mal acostumadas a serem bajuladas e a não ouvirem não, que quando isto acontece, estoura a 3º , 4º, 5º Guerra Mundial. Os pais não tem mais o poder de dizer ao filho, “com licença, vou ao banheiro, e vou sozinha(o)”, ou “vou ali na frente alcançar uma ferramenta a um vizinho, fique aqui que ja volto” (a criança não vai ficar sozinha em casa, tem outros adultos que podem olhar a criança enquanto isto), ou resolver uma questão que envolva até a segurança da criança, onde ela não deve participar. Chegamos ao ponto que conversa não adianta nada, aí então só resta deixar a criança aos berros e fazer o que tem que ser feito, por que não é possível ficar meia hora tentando convencer a criança de que ela deve se separar por 5 minutos dos pais sem que isto seja uma crise. Eu como mãe de uma menina de 3 anos e meio passo muito por isto, e sinceramente não sei o que fazer… acho injusto com ela recompensar ela com algo que ela goste (tipo um doce ou um brinquedo novo) por uma atitude que não é aceitável na sociedade. Nós ouvimos não todos os dias e nem por isto saímos dando chilique na rua. A disciplina é importante sim, e tem que existir um jeito de fazer com que a criança se acalme antes de ter a tal conversa, afinal não adianta anda conversar com uma criança que está gritando e esperneando porque não foi atendida da forma como ela queria. Eu uso a tática: primeiro se acalma (e isto sim sozinha) depois conversamos. senão não consigo ver resultado. Espero que me entendas. um abraço e parabéns pelo post.
Olá, Taty! Obrigado por participar da conversa!
Acho que você tocou em um ponto fundamental: respeito. E o respeito deve existir nas duas direções: tanto filhos respeitando pais, como pais respeitando filhos. A disciplina tradicional autoritária tende a subjugar as crianças aos desejos dos adultos porque, bem, porque sim. Porque é o desejo do adulto. Isso atrapalha a relação e a confiança que a criança tem nos pais e tudo, absolutamente tudo fica mais difícil.
Entendo como é difícil fazer com que nossos filhos, ainda mais os bem pequenos, façam tudo o que a gente quer ou precisa só na base da conversa. Por isso é preciso resiliência, é preciso confiar no vínculo de apego seguro que é construído no dia a dia. É apenas através do apego seguro que vem o poder real da parentalidade.
Outro ponto importante que você tocou foi o uso do “não”. Crianças precisam ouvir “não”, mas a maneira como esse “não” acontece deve ser justificada. Um simples “NÃO” gritado à distância tem pouco efeito e pouca chance de que os nossos filhos respondam adequadamente. Porque senão vira uma demanda, e qualquer ser humano tem por natureza o ímpeto de rejeitar demandas. Enfim, ouvir “não” faz parte da vida, parte de lidar com frustrações e com a noção de que nem tudo nossos filhos poderão fazer, mas isso não significa que não tenhamos que demonstrar empatia com o que nossos filhos estão sentindo, entende? Afinal, sentimentos são reais.
Além disso, pela disciplina positiva, não encorajamos as punições, mas também não encorajamos as recompensas. Da mesma maneira que não é justo punir uma criança por não ter agido conforme esperado pelos pais, também não é justo dar prêmios ou subornar a criança para que ela faça o que os pais desejam. Todas essas técnicas buscam ensinar a criança a funcionar baseada em motivações externas, enquanto que o que os pais devem desejar é que a criança desenvolva um senso crítico natural e uma vontade intrínseca de fazer o bem.
Quanto à sua “tática”, eu vejo muitas coisas da disciplina positiva nela. Você a deixa se acalmar, porque devemos respeitar o que nossos filhos estão sentindo, e então você conversa com ela, porque o diálogo sempre deve estar aberto. O que eu sempre questiono é a segregação da criança, o afastamento forçado dos pais. Se uma criança tiver uma crise de choro (“birra”, “manha”, ou qualquer outro adjetivo do gênero), é porque ela está tento dificuldades gigantescas em lidar com uma torrente avassaladora de emoções negativas. Nosso papel como pais é estar disponível, física e emocionalmente, para que a criança saiba que estamos lá por ela. Se ela quiser espaço e afastamento, ela mesma vai buscar isso. Se ela quiser ficar perto, ela vai fazer isso. Mas se nós forçamos o afastamento, como proposto pelo “cantinho da pensamento”, pode ser que nós estejamos afastando nossos filhos num momento que eles desejam desesperadamente a proximidade e a nossa aceitação.
Mais uma vez, obrigado pelo seu comentário e pelo elogio!