Eu lembro das noites acordado tentando descobrir o motivo do choro. É peito? É fralda? É cólica? É só colo, mesmo?
Eu lembro que privação de sono não era um troço legal. Ia pro trabalho meio zonzo e pensava quando que eu conseguiria dormir decentemente de novo na minha vida.
Me recordo das doenças, das mudanças de rotina com cada fase nova do crescimento, dos dentes, de tudo.
Eu lembro de tudo isso. Parece que a gente apaga um pouco as nossas angústias e sofrimentos, né? Mas eu lembro.
Agora é diferente. Eu sinto mais. Aquela expansão no coração, sabe? Foi o Frederico quem fez. Meu primeiro filho abriu um amor em mim que eu não sabia que existia. Cavou um espaço que eu julgava cimentado. Hoje, sinto mais. Sou mais sensível.
É diferente, agora, com a chegada próxima do Henrique. Em outubro ele vem. E eu quero tudo de novo.
Eu lembro do cheirinho de bebê. Aquele cheirinho inebriante de cabeça de bebê. Me recordo do olhar de um bebê pra sua mãe e pro seu pai. Olhos de novo mundo. Olhos de dúvida.
Por que estou aqui? Não sei, filho. Vamos caminhar e descobrir juntos. É tudo muito grande e complicado por aqui, e eu te ajudo a olhar esse mar todo. Pode até ser bem simples, sabe, depende um pouco da gente.
Eu lembro bem. E mesmo assim, quero te conhecer, Henrique. Eu quero saber como são tuas mãos. Eu quero entender bem os teus risos e choros. Quero saber como tu prefere dormir. Eu preciso saber como te embalar, meu amor. A musiquinha que tu gosta mais. As tuas reações com essas novidades todas. Teu olhar de surpresa.
Eu quero pegar na tua mão e ser feliz, filho.
Eu quero juntar os nossos abraços, o teu, o meu, o do teu irmão e o da tua mãe, e abrir mais um espaço que eu não tinha. Eu quero sentir mais.
Te amo.
1 comentário em “Carta ao Segundo Filho”
Não curti muito minha segunda gravidez. Foi uma gestação repleta de incertezas e medos. Engravidamos sem planejar, o primeiro nem andava ainda, meu sonho de amamentação prolongada indo pro lixo. Minha cabeça estava toda no primeiro ainda. Nossa situação financeira tbm não tava muito boa. Quando soube que era uma menina, pirei um pouco! Os jornais estavam repletos de notícias de feminicídios, estupros coletivos. Como trazer uma menina para um mundo tão cruel? Mas não consegui não fantasiar aquela menininha que nos meus sonhos era negra e encaracolada como eu.
Aí, ela nasceu. Branca, loira, olhos azuis, minúscula. E irradiou. Todas as preocupações foram indo embora. Aquele ser pequeno que desde sempre faz eu questionar todas as minhas certezas. Que não tem nada a ver com o irmão. Que questiona tudo. Que diz não e pronto. Que, muitas vezes, desperta o pior em mim. Que faz todo mundo perguntar: de onde saiu esse menina loira? Que todo mundo diz que é filha minha só pq é brava! rsrsrsrs… Que me encanta com a risada, com a curiosidade, com as pintinhas no corpo que estão no mesmo exato lugar das minhas…
Ah, os segundos filhos. Eles desafiam aquele coração que acha que nunca tinha amado tanto. Amor de filho só multiplica. Cabe todo mundo!