Haja vista que é possível ter uma vaga noção da probabilidade de quão errada as coisas possam dar, mas quase nunca há a possibilidade de precisar e dominar todas as situações possíveis de ocorrer (principalmente quando essa previsão passa pela criatividade infantil), tem dias que as coisas dão errado.
Paulatinamente, seguidamente, sem parar, tem dias que vem para eu ver o quanto minha incompetência paternal põe em risco a formação das minhas filhas.
Mas essa frustração passa. Existem muito mais dias bons que ruins e, queira ou não, sou a melhor versão de mim nas condições que tenho, portanto, o melhor pai que consigo ser agora.
O que fazer quando falhamos de forma grave na criação de nossos filhes? Admitir e aceitar que somos limitados? Essa aceitação não me fará acomodado? Aceitarei a reincidência frequente do erro? Ou me culparei e farei da culpa um fardo ou martírio?
Diz a sabedoria: se quem mora na casa soubesse quando o ladrão vem, trancaria a casa, manteria vigília e reforçaria a segurança…
Minha sabedoria só alcança aquilo que minha pele sente.
Na minha pele foi assim…
Na casa, um silêncio pacífico parecia guardar uma paz espiritual. Dissonante, meu cansaço físico, psíquico, emocional e espiritual se anunciava em olheiras, mal humor, cabelos assanhados e o pijama companheiro de todo o dia.
— Amor, elas estão muito caladinhas ali na varanda. Vai ver o que tá acontecendo, por favor. — a sábia e doce voz da esposa alertou para o quão suspeito aquele silêncio infantil podia ser.
Minutos. Levaram poucos minutos para gastar metade das pastas de dente como cremes de hidratação e pasta de limpar chão.
— Valei-me Nossa Senhora da Bicicletinha! Dai-me equilíbrio!
Corre pro banho. Cada uma no seu balde, há quem chame de ofurô, mas para mim é só um balde com desenhos infantis.
“Já estava na hora do banho matutino mesmo. Tudo bem, depois que a mãe delas terminar o almoço, a gente limpa o chão da varanda.” (Pensei)
Termina o banho, enxuga as duas, veste a calcinha na primeira. Enquanto veste a calcinha da outra e observa alguma coisa que ela faz, o barulho de água caindo no chão.
“Puxa vida! Fez xixi na calcinha… Devia ter posto fralda!”
Quando olho, ela tem duas peças, uma em cada mão, do veneno contra mosquitos, aqueles que se encaixa na tomada e tem uma base líquida. Aquele mesmo que estava num lugar alto, mas que ela já aprendeu a alcançar.
— ______________________! (complete com quaisquer imprecações exclamativas e exaltadas que quiser).
Enquanto explica o que aconteceu e leva a primeira, às pressas, para outro banho, pede à esposa para urgentemente limpar o chão (ainda tem a outra que pode mexer no veneno). Mais água, mais sabonete.
“Tomara que não tenha ingerido! Tomara que não tenha ingerido! Tomara que não tenha ingerido! Que tipo de pai tem veneno em casa? Que merda que eu fiz! Como pude ser tão descuidado? Não mereço alcunha de pai.”
— PAI DE MERDA!
O desapontamento com o próprio desempenho como pai tem sido uma constante. Não é para menos. Também sei que não sou o primeiro, nem o último, nem o único. Sou mais um.
O dia passa, a tensão é constante para mim e minha esposa.
Para elas? Mais um dia de brigas e brincadeiras.
Não ingeriu. Nem terá mais chance.
Beijos de Luz!