Eu sempre imaginei que teria uma história muito interessante para contar sobre o desfralde do Dante. Afinal, todas as histórias de desfralde sempre são assim, com conflitos, reviravoltas, progressos, regressos, gritaria, babado e confusão.
O que eu nunca iria imaginar é como a nossa história fosse tão… normal. Acho que é por isso que eu demorei tanto para escrever sobre a experiência com o desfralde, porque não achava que tinha nada de tão interessante para contar. Mas aí, de repente, eu me dei conta de que era justamente isso que fazia a história ter importância: a naturalidade dela.
Antes de entrar na história, eu gostaria de dizer que essa foi a nossa experiência, ela não deve ser igual à experiência de todo mundo. E tem um ponto que faz toda a diferença nesse caso: nós tivemos a oportunidade de esperar nosso filho desfraldar no tempo dele.
Nos dias de hoje, isso chega até a ser um privilégio, porque muitas famílias precisam deixar seus filhos em creches e escolas que, a partir de determinada idade, exigem que a criança esteja desfraldada. Apesar de entender que, muitas vezes, simplesmente não temos opções para os nossos filhos, é muito esquisito que a iniciativa de desfraldá-los parta de uma escola, e não deles próprios.
Pois bem, quando o Dante tinha os seus 2 anos e 8 meses, percebemos que ele estava já dando sinais de que conseguia identificar o que acontecia com ele fisiologicamente. Usando a fralda, ele já começava a dizer que estava fazendo xixi ou cocô. Depois de algumas demonstrações dessas, eu e Anne nos olhamos e falamos:
— Hmmmm, acho que rola, hein?
Achamos que precisávamos comprar duas coisas: um livro e um penico. Compramos o penico primeiro, o mais simples possível, sem personagens, nem sons, nem luzes, nem nada. Afinal de contas, eu não faço cocô hoje em uma nave espacial.
Achamos um pinico laranja perfeito e, logo em seguida, encontramos um livro que contava a história de um menino pirata que via os pais piratas usando o vaso. O pequeno pirata entendeu que não precisava de fraldas e foi comprar um penico que, por pura coincidência, era laranja!
E a coisa foi evoluindo: líamos o livro para o Dante, e quando ele indicava que queria fazer xixi ou cocô, levávamos ele até o pinico. Quando tudo dava certo, ficávamos todos felizes, mas era aquela alegria normal, sabe? Não fazíamos uma festa forçada, ou dávamos estrelinhas para ele, porque simplesmente não acreditamos nisso. Ao invés de dizer:
— Filho, estou muito orgulhoso de você!
Eu dizia:
— Olha, só, filho, você fez um xixizão no pinico!
É muito importante para nós que o Dante não viva em função do que nós achamos dele, mas do que ele entende dele mesmo. Por isso que evitamos dizer o que nós pensamos sobre o que ele faz, mas demonstramos que estamos atentos ao que ele faz, dando uma oportunidade para ele sentir orgulho dele mesmo.
Mas nem tudo são flores, e muitos escapes aconteceram. Eu descobri que era muito difícil para mim não surtar quando via um cocô no meio do chão, mas com muita empatia e força de vontade, conseguia mostrar a ele que estava tudo bem, que isso acontecia mesmo, e que era apenas um acidente.
— Ih, filho, o xixi fugiu! Vamos pegar um pano para limpar?
O tempo foi passando, e o Dante já entendia que, quando o xixi escapulia no chão, ele precisava limpar junto de mim ou da mãe. Eu penso que isso foi algo que também me ajudou bastante a não surtar totalmente, porque ao invés de pensar “droga, vou ter que limpar todo esse xixi sozinho”, eu fazia isso com ele.
Dante, então, começou a ir sozinho para o pinico, depois passou a subir sozinho no redutor de assento, e passou a usar cada vez menos fralda, até que começou a usar fralda apenas para dormir. Ele ainda usou fralda para dormir por algum tempo, mas era mais por medo nosso do que por alguma dificuldade dele, afinal, ninguém merece acordar milhões de vezes na madrugada para trocar roupa de cama molhada com xixi.
Depois de percebermos que as fraldas sempre amanheciam secas, começamos a deixá-lo dormir sem fralda. Mas sempre levávamos o Dante o para fazer xixi antes de dormir, ou no meio da noite, quando eu e Anne íamos dormir. Alguns escapes aqui e acolá, e pronto: Dante estava desfraldado!
O engraçado disso tudo era que não tínhamos a menor ideia de como seria conduzir um desfralde. Ficávamos sempre nos cobrando de ler textos e tutoriais de desfralde respeitoso, porque achávamos que não saberíamos conduzir esse desfralde natural. Aconteceu que, em pouco mais de 1 mês, Dante já estava completamente desfraldado, com alguns pouquíssimos escapes, e nem deu tempo para nós aprendermos a conduzir um desfralde natural.
Mas só agora, escrevendo este texto, eu percebi que não existe técnica ou passo-a-passo para um desfralde natural. Passamos a vida inteira ouvindo que não somos capazes de criar os nossos filhos, que acabamos ignorando as nossas reais capacidades, mas Dante fez o favor de nos lembrar que não precisávamos de muito mais do que já fazíamos com ele, como sermos empáticos, respeitosos e amorosos.
Pode parecer meio estúpido o que eu vou dizer aqui, mas o desfralde natural não tem que ser conduzido, mas respeitado.
11 comentários em “Desfralde Natural: Isso Existe Mesmo?”
Oi Thiago,
Conheci o blog a pouco tempo e tenho aprendido muito todos os dias.
Gostaria de sua opinião pessoal sobre algo que aconteceu aqui em casa.
Minha filha de 2 anos e 8 meses fez seu desfraude diurno com 2 anos e 4 meses ( digo fez porque partiu dela mesma querer fazer no penico, do irmão). Alguns escapes e tudo se resolveu.
Bom , a dúvida é que ela mesma não quer mais usar fraudas a noite de jeito nenhum, mas as fraudas ainda amanhecem cheias.
Nao tive opçao ,vou deixar sem fraudas, mas como fazer se for xixi diversas vezes a noite?
Como você faria?
Agradeço desde já.
Abraço!
Oi Marcelo!
Se ela quer dormir sem fraldas, eu conversaria com ela sobre isso e faria uns testes. Quando você tira a fralda de noite, você precisa ser mais cauteloso nos primeiros momentos, ou seja, tem que levar sua filha no banheiro à noite, mesmo que ela esteja dormindo.
Aqui com os meus filhos, eu levava eles no banheiro uma hora depois que dormiam, e depois quando eu ia me deitar. Aconteceram poucos escapes, mas tem que ficar atento a isso: se ela bebeu muito líquido antes de dormir, se fez muito ou pouco xixi antes de dormir, essas coisas.
Boa sorte!
Minha filha mais nova fez o desfralde diurno ontem. Ela tem 20 meses e para minha TOTAL surpresa, foi NATURAL!
Tenho outra filha de quase 4 anos que abandonou o penico já tem quase 1 ano. Ele estava guardado. Ontem a mais velha colocou ele na sala e a mais nova tirou as fraldas e fez xixi no penico. No mesmo dia à noite ela fez o 2 no penico. SEM NINGUÉM TER ENSINADO! Acredito que ela tenha aprendido visualmente. Vendo a irmã. Pretendia começar o desfralde daqui 4 meses ( quando ela completasse 2 anos). Mas aconteceu quando eu menos esperava e da maneira que nunca pensei que era possível. Minha primeira filha demorou 1 mês para fazer xixi no penico e 4 meses para o cocô. Logo, estava me preparando psicologicamente para mais uma batalha. No fim,tudo acaba acontecendo naturalmente.
Gostei muito do texto! Quero muito que o desfralde do meu filho seja assim também e já prevejo a pressão das pessoas pois acredito que meu filho vai “demorar” um pouco mais que a média pois ele tem claramente outros interesses.
Só a parte que vc fala em não fazer “festa forçada” ou dar estrelinha que eu não concordo. Quer dizer, concordo em não dar estrelinha nem recompensas (ou punição), mas acredito que crianças precisam sim de um reconhecimento maior quando fazem coisas que para nós parecem simples e corriqueiras, mas pra eles é um grande passo. E eu pratico muito a empatia, penso no que gostaria que fizessem comigo e aplico o mesmo pro meu filho. Vou te dar um exemplo: eu nunca gostei de dirigir, tirei carteira e fiquei 15 anos sem tocar num carro porque tinha pavor. Recentemente resolvi dar um basta nisso, vencer meus medos e pegar no volante. Como agora moro na Austrália, de mão inglesa, recomecei do zero e fiz aulas e prova de direcção. Passei e mesmo assim demorei quase 1 ano pra pegar no volante. Quando peguei, toda vez que dirigia com meu marido eu ficava esperando (e cobrando) um reconhecimento por parte dele de como eu estava dirigindo bem. rs Parece bobeira, eu sei, mas pra mim era muito importante receber essa “festa” pra me motivar a vencer meus medos e dar esse passo que pra maioria das pessoas é normal mas pra mim era como saltar de um abismo. Daí vejo que com as crianças muitas vezes é assim, coisas que para nós são corriqueiras pra eles demanda semanas ou meses de prática, de controle emocional. Então eu celebro mesmo com meu filho todas as conquistas que eu sei que são custosas a ele e não acho que isso faça ele viver em função do que
penso dele, muito pelo contrário, vejo ele cada dia mais seguro e independente pra trilhar novos desafios. 🙂
Oi, Denise!
Eu super concordo com você e talvez eu não tenho sido muito claro no meu texto. O que eu discordo de fazer é justamente essa comemoração forçada, onde a gente vibra com uma intensidade muito maior do que a gente vibraria normalmente. Nós podemos demonstrar que ficamos felizes, mas demonstrar essa aprovação de maneira tão intensa faz com que os nossos filhos sempre busquem nossa aprovação para tudo o que fazem. Você disse que até nós precisamos disso, hoje, quando adultos, e te digo que isso é verdade porque nós fomos criados assim. É uma quebra de paradigmas mesmo. Pensa comigo: desde pequenos nós ouvimos de nossos pais e mães “estou muito orgulhosa de você” e “eu adorei o que você desenhou”, mas raramente (ou nunca) nos perguntaram o que nós achamos sobre o que fazemos. Por isso que hoje nós sempre buscamos essa aprovação externa e nunca interna.
Então, o que eu busco fazer com os meus filhos, principalmente com o Dante que é mais velho, é justamente perguntar a ele sobre o que ele fez. Mais ainda: descrevo o que ele fez, para que ele perceba que não só eu vi o que ele fez, mas que ele tenha oportunidade de avaliar tudo o que fez por conta própria. E ainda pergunto “filho, você gostou do desenho que você fez?” e, com a resposta dele, eu sempre complemento dizendo que também gostei.
Não sei se pude ser claro nesse comentário, mas essa conversa me inspirou a escrever um texto sobre isso. Obrigado por promover essa discussão!
Oi Thiago,
Eu entendo seu ponto de vista, e também procure fazer essa desconstrução constante e quebrar paradigmas que estão enraizados na nossa cultura, mas não sei até que ponto a questão da necessidade de aprovação externa pode ser mudada. Nós somos seres sociais, e a aprovação social por nossos pares até certo ponto é positiva pois nos leva a agir com empatia e conviver bem em sociedade. Mas é claro que também pode ser negativa quando vemos crianças (ou adultos) serem levadas a tomar atitudes ruins apenas para serem aceitas num meio social venenoso. Difícil essa vida de pai e mãe que tem que guiar um serzinho nesse mundo cão. rs
Meu filho ainda é muito pequeno, tem apenas 1 ano e meio, mas certamente essa questão da maneira que eu demonstro apreciação pelas conquistas dele será algo que eu ainda vou pensar bastante e desconstruir a medida que ele for crescendo e reagindo a minha abordagem. No momento eu só tenho a certeza do que não quero fazer, como dar estrelinha, premio, punição, dando a conotação de que ele tem que fazer suas tarefas ou conquistar desafios só pela recompensa ou punição, quando na verdade deveria ser para si próprio, pra satisfação pessoal, e pra ser um ser humano bom e empático.
Um abraço e continue postando bastante e promovendo essa discussão tão importante de como criar filhos com empatia e não violência.