Depois que finalmente chegamos em casa, da nossa fuga cinematográfica (leia mais em Morte do Paizinho, Nascimento da Vírgula!), percebemos que estávamos finalmente por nossa conta, na nossa toca, do nosso jeito. Como pais de primeira viagem, sentimos uma mistura de alegria e desespero, perguntando um para o outro:
– E agora?
– Sei lá, e agora, como faz?
Tivemos sorte, pois não estávamos completamente sozinhos. Assim como no hospital, pudemos contar com a ajuda infinita da parteira e doula, que nos visitavam quase diariamente para nos ajudar nos primeiros cuidados com o Dante. Porém, tem algo que ninguém diz, ou que não fica muito claro quando conversamos com outros pais. Algo que, se já tivessem dito logo de cara para nós, talvez fizesse com que o impacto fosse menor:
O primeiro mês é punk.
Você precisa saber disso agora, e aceitar isso. Mais importante ainda, você precisa saber que passa. Você precisa acreditar que você, seu parceiro(a) e seu bebê irão sobreviver a isso, e tudo vai ficar melhor. Tudo vai ser mais fácil.
Mas o primeiro mês é punk.
Pode ser pior para algumas famílias, e pode ser bem mais tranquilo para outras famílias. É claro que isso varia bastante, mas de uma maneira geral, o início é bastante complicado.
Esse período inicial, porém, é extremamente importante para a criação e fortalecimento de vínculos entre os pais e o bebê. Na verdade, esse período já começa assim que o bebê nasce, logo na primeira hora de vida, e por isso que é tão importante respeitar esse momento inicial para deixar os pais sozinhos com seu bebê, que acabou de nascer. O bebê vai para o colo da mãe para mamar e ganhar conforto, enquanto que o pai está próximo, participando do primeiro momento familiar, e essa primeira “hora do apego” ajuda os pais a se conectarem com seu bebê. A mãe que amamenta na primeira hora, por exemplo, tem até uma ajudinha hormonal para facilitar a criação do vínculo: os hormônios ocitocina e prolactina são liberados, dando uma sensação prazerosa e ajudando a mãe a se conectar com o bebê.
O pai não recebe o empurrãozinho que os hormônios dão, mas é perfeitamente possível iniciar o vínculo com o bebê mesmo assim. Nós, pais, podemos ficar ali, grudadinhos, cuidando e amando. O simples fato de ver a maravilha que é a sua esposa amamentando o seu filho, depois de parido, já é motivo suficiente para cair de amores pelo seu bebê, além de dobrar o amor pela sua esposa!
As primeiras semanas de um recém-nascido são importantíssimas por vários motivos, porque, de uma maneira geral, é a primeira oportunidade que todos os indivíduos da família têm para se adaptar à nova realidade. É o caso do bebê, que estava tão bem dentro da barriga da mãe e agora precisa se acostumar com esse mundo novo e diferente, cheio de barulho, luzes e simplesmente muito espaço para ocupar. Essas coisas costumam incomodar bastante o bebê, pelo menos incomodavam o Dante.
Eu tive a sorte de conseguir tirar trinta dias de férias, assim que o Dante nasceu. Portanto, pude estar presente durante todo o primeiro mês e digo que isso foi essencial para eu me realizar como pai, iniciando uma forte relação com o meu filho. Recomendo a todos os pais que trabalham fora a fazer o mesmo. Você não só consegue ajudar a sua esposa com toda a loucura que é o primeiro mês, mas tem uma oportunidade única de fazer uma experiência imersão no universo maravilhoso da criação.
Durante esse período inicial, os pais enlouquecem, tentando se adaptar à nova rotina da não-rotina. Tentando entender como funciona ter um filho e como fazer para atender às necessidades dele, da melhor maneira possível. As mães, em particular, têm uma responsabilidade gigante em suas mãos, digo, seios. Elas e os bebês precisam aprender como funciona a amamentação e, nesse caso, algumas famílias têm mais dificuldade que outras na amamentação. A Anne e o Dante tiveram bastante dificuldade (você pode ler também em Amamentação, Versão da Diretora), principalmente porque era muito dolorido para a Anne.
Lembro também que, para piorar, sempre que buscávamos imagens ou informações sobre amamentação, achávamos tudo era muito frustrante. As mães amamentando, todas elas com sorrisos gigantes, sempre felizes com seus bebês acoplados em seus peitos. Todas elas pareciam estar felizes, mais até do que isso: pareciam estar passando por uma experiência prazerosa. Mas como diabos alguém pode sentir prazer amamentando? Para nós, a realidade era bem diferente, e esse é o problema do tipo de informação que é divulgada, principalmente, sobre amamentação. Ela pode ser difícil, sim, para muitas mães e filhos, só que essa realidade não é divulgada, gerando falsas expectativas.
Dito isso, quando você estiver numa situação parecida, não visite o Google Imagens.
Além da ajuda da parteira e da doula, contamos com a ajuda de uma consultora de amamentação, todas ajudando a Anne e o Dante a se entenderem com a pega. Mas hoje sabemos que a maior dificuldade na amamentação foi psicológica, porque a Anne havia se submetido a uma cirurgia estética nos seios, há alguns anos atrás, e desde então, ela nunca teve plena confiança de que poderia amamentar perfeitamente, pois não tinha certeza de que os ductos não haviam sido danificados. Para piorar, os bicos rachados e uma cândida nos seios fizeram com que nossos dias (e noites) se tornassem verdadeiros pesadelos.
Passamos vários dias e noites tentando ajustar as coisas, procurando melhorar a amamentação, mas parecia um ciclo vicioso. Sendo a amamentação em livre demanda, não era possível curar as feridas dos seios da Anne até a próxima mamada. Então, durante muito tempo foi desse jeito e o Dante no meio, sofrendo junto porque a amamentação não estava legal. Sofria de pais que estavam completamente exaustos. Pelo menos, como já praticávamos cama compartilhada, o terror noturno de deixar o bebê sozinho no berço não existia, e ele sempre nos tinha quando precisava, ali do lado.
Tudo continuou assim, com algumas melhoras, mas de uma maneira geral, a Anne sempre pensava que não tinha leite. Se informou bastante, mas ainda assim havia muita dificuldade, com forte peso da cândida, e então a experiência como um todo estava sendo muito negativa. A Anne, às vezes, desejava que o Dante dormisse por mais tempo, só para ela não ter que passar por toda aquela dor de novo. Durante a amamentação, ela chorava e gritava.
Com aproximadamente duas semanas de vida, levamos o Dante para a sua primeira consulta pediátrica. Tínhamos esperança de encontrar suporte para a amamentação, mas saímos de lá com uma indicação para complementação com leite artificial. O motivo era simples: o ganho de peso do Dante não atendia às expectativas das curvas de crescimento, mesmo que ele estivesse urinando várias vezes ao dia e mamando em livre demanda. Para quem não sabe, um bebê que urina normalmente, mama com muita frequência e não está apático é o melhor indicativo de que está tudo bem com ele.
De qualquer forma, aquela receita com leite artificial acabou com a Anne. Ela desmoronou emocionalmente. Sua última esperança estava naquela consulta, onde esperava alguma palavra de incentivo, algum sinal de que aquele caminho era o certo. Talvez esse fosse nosso o erro, de termos depositado tanta responsabilidade em um pediatra, mas o fato é que, naquele mesmo dia, a Anne desistiu. Desistiu porque não via mais motivo para tudo aquilo. Desistiu porque não era mais suportável. Desistiu porque não acreditava mais. A mãe é humana e tem limites.
Em casa, lutávamos uma nova batalha, a de utilizar leite artificial, e como não queríamos usar mamadeira ou qualquer tipo de bico artificial, tentamos usar um copinho de cachaça para dar leite. Foi a maior lambança do universo, altamente improdutivo, tanto que só conseguimos fazer a complementação através do método finger, que consiste em utilizar uma sonda presa ao dedo, simulando o bico do seio. Em outras palavras, o bebê mama o dedo e o leite artificial vem junto pela sonda.
São nesses momentos que a a família tem que se unir, para vencer o que aflige e apoiar um ao outro. Foi um curto período de tempo em que a Anne precisava se recarregar emocionalmente, então assumi um maior controle da situação como um todo, para aliviar um pouco a pressão em cima dela. Mais um motivo pelo qual sou grato de ter tirado os meus 30 dias de férias após o nascimento do Dante.
Foi uma semana inteira sem amamentar, oferecendo apenas o leite artificial, por finger. Em alguns momentos, até pensamos em desistir de tudo e usar a mamadeira, mas persistimos. E lá pelo final da terceira semana, começamos a perceber algumas feridas com casquinhas ao redor da boca do Dante sendo que, no dia seguinte, seu corpo estava tomado por pequenas bolhas, como se fossem bolhas d’água. Fomos a um hospital, para que ele recebesse atendimento de emergência e ele foi diagnosticado com impetigo, uma infecção de pele causada por uma bactéria oportunista que, encontrando alguma ferida, entra no corpo. Quando a imunidade está baixa, a bactéria se espalha, causando a infecção. Dante não tinha mais a ajuda do precioso leite materno para se defender.
Aos 27 dias de vida, Dante precisou ser internado em uma UTI neonatal. O dia da internação foi também um dos mais tristes das nossas vidas, e lembro que foi bem no dia do aniversário do meu irmão, o primeiro aniversário que não liguei para ele. Sabíamos que aquela intervenção era necessária, mas ter que entrar em um hospital de novo, em tão pouco tempo, era devastador. Nossa doula apareceu no hospital e novamente, ela foi nosso porto seguro. Inacreditável como tem gente que não compreende a importância e o valor das doulas.
Não pretendo detalhar nossa estadia na maternidade, talvez em um próximo post, mas por hora basta dizer que é duro voltar para casa à noite, sem o seu filho. Eu já conhecia esse gosto amargo, de quando houve a transferência pós-parto, e pensei que nunca mais iria senti-lo. De qualquer forma, basta dizer que nosso filho melhorou muito já de um dia para o outro e que, ao final de 7 dias, recebemos a notícia da alta dele com muita alegria.
Só houveram dois pontos positivos nessa internação: o Dante foi curado e a Anne também. O Dante foi curado com os antibióticos e com todo o carinho e leite materno que demos para ele no hospital. A Anne foi curada porque conseguiu tratar seu peito, reconquistar um pouco da autoconfiança e aprender dicas valiosas no banco de leite do hospital. Quando retornamos para casa, a Anne iniciou um lindo processo de relactação. Foi uma das nossas maiores vitórias, e isso é a grande prova de que não há nada que você não possa resgatar e fazer de novo. Anne e Dante estavam livres novamente.
Este foi o nosso primeiro mês, talvez com alguns desafios extras, além do que o primeiro mês de vida já apresenta normalmente, mas conseguimos nos fortalecer enquanto família. Também aprendemos que é perfeitamente normal você abrir mão de outras coisas para focar em coisas mais importantes nesse período: dê-se o direito de ficar descabelado(a) nesse período, não se preocupe com trabalho, nem pense nos jantares elaborados que você ainda precisa cozinhar. Esse período passa tão rápido, que quanto mais imerso você estiver, melhor para o vínculo entre você e o seu bebê.
O primeiro mês é muito difícil. Mas passa, todos sobrevivem, e as coisas ficam mais fáceis. Vejam o nosso caso, nós já até estamos pensando sobre quando o Dante ganhará um irmão, ou irmã!
Ahhh, essa vida de ter filhos…
15 comentários em “Já Falei Que O Primeiro Mês É Punk?”
Esse texto lembra bem o primeiro mês com o Tiago. Muitas dificuldades, muito choro, e até hoje a pontinha de tristeza por não ter conseguido amamentar, nem com relactação.
Como já foi dito, o mais importante é que tudo passa e que a paternidade, ao contrário de um fardo, é muito prazeroza, apesar de todas as vicissitudes.
Continue com esse trabalho lindo e que muito nos ajuda.
Abraço
🙂
É uma lembrança agridoce, né? Mas é aquilo mesmo, tudo passa, e a gente acaba lembrando das coisas boas e vendo como é bom hoje!
Lembrei de tanta coisa lendo seu texto… E tenho certeza que a gente esquece tudo de ruim que acontece… Meu primeiro filho deu muito trabalho… Não dormia e a amamentação nos primeiros dias doía muito. Não tive ninguém para me ajudar, a não ser meu marido que de dia tinha que trabalhar. Li vários livros sobre como treinar seu bebê para dormir e mamar etc. Vontade de chorar o tempo todo é uma depressão posterior… Me curei e passei a achar que não foi tão ruim assim… 3 anos depois fiquei grávida pois queria muito que meu filho tivesse um irmão. Já o segundo filho nunca deu trabalho nenhum para dormir nem mamar, mas com 15 dias de vida foi internado com pneumonia. Não tinha uti disponível para ele e nós é que tínhamos de cuidar dele no quarto, cuidando para ver se estava respirando e se estava vivo… Sem dormir e desesperados! Mas ele ficou bem!!! E por pior que foi cuidar do primeiro filho sem saber como, percebi que era melhor do que ter que ver meu nenenzinho no hospital… Mas tudo passou e parece que nada disso aconteceu de verdade comigo…O amor que sentimos é muito maior que qualquer dificuldade e ele cura tudo! Felicidades para vocês! E vc tem minha admiração pela delicadeza de entender e cuidar de sua esposa!
Gratidão por compartilhar sua história, Luciana 🙂
Ameeeei seu blog. Também muuuuita dificuldade em amamentar, mas ao contrário de vocês, não tive o pai do meu bebê pra me apoiar … meu bebê, aliás, que também se chama Thiago hahaha
Muito bom e realista seu texto. Aliás, seu blog é muito bom também. Sou mãe de uma bebê de quatro meses e, realmente, o primeiro mês foi muito punk para mim e por diversos motivos. Tive a sorte do processo de amamentação não ter sido tão complicado, porém o processo de adaptação entre eu e minha bebê foi complicado, principalmente o sono. Mas, como você mencionou, tudo passa. Abraços
Obrigado pela mensagem! Acho que “tudo passa” é o maior mantra da mater/paternidade, né? 🙂