A semana da campanha #AgoraÉQueSãoElas acabou, mas gostaria de manter aqui no blog essa série, para que mulheres ocupem o espaço de fala dos homens, que reconhecem a urgente luta feminista por igualdade de gênero e o protagonismo feminino.
Dessa vez, é a querida Ana Rossato quem escreve , e se você quer ler todos os outros posts da série é só clicar em #AgoraÉQueSãoElas! Ana Rossato é mulher. Também é ativista feminista, mãe e publicitária.
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“Nossa, que corajosa!” ou sobre a falta de opção feminina
Já ouvi incontáveis vezes a tal exclamação sobre ser corajosa. Engraçado que ela sempre aparece em situações pontuais: um passeio sozinha com as crianças, uma entrevista de emprego, na faculdade… Será que alguém já parou para pensar que não é coragem, é só falta de opção?
Romantizar o fardo da maternidade dentro dos moldes sociais vigentes é uma forma de camuflar a carga excessiva que pesa sobre as mulheres. A tal dita coragem nada mais é do que o atrevimento: você está se atrevendo a deixar o seu posto “natural” (que é na verdade naturalizado por repetição) de mãe que deve se recolher ao espaço privado e está forçando a sua presença dentro do espaço público. O mesmo espaço público que rechaça mulheres e crianças, que foi feito pelos e para os homens. Quem ousa transgredir precisa de coragem, no sentido mais pejorativo possível.
Nessas horas percebemos como a socialização das mulheres e homens é algo fundamental na formação das relações de gênero. Quantos homens, ao voltarem ao trabalho depois que os filhos nascem, ouvem sobre como são corajosos? Às mulheres sobram os dedos em riste: nossa, que coragem deixar o seu filho tão pequeno na creche/com a babá/com a vizinha. É a ousadia de não cumprir na totalidade o papel que se espera: da mulher do lar, que cria os filhos, que faz a “parte que lhe cabe”. Além disso, injetando uma perspectiva de classe, quantas mulheres voltam ao trabalho por sobrevivência? Quantas mulheres assumem dupla, tripla jornada pois são as provedoras principais (e únicas) da família?
Me lembro de, pouco antes da minha filha mais nova nascer, estar em um encontro de um coletivo feminista e ser questionada sobre a minha capacidade de participação depois que o bebê nascesse. Afinal, como ouvi, “bebês choram e dão trabalho”. Esse é o um exemplo claro de apagamento das mulheres mães como seres políticos, ativos e que ocupam, que falam, que pedem. Ainda dentro de um espaço feminista, de emancipação feminina e de questionamento de estereótipos somos, nós mães, jogadas em armadilhas que nos fazem questionar a qual lugar pertencemos.
Nós existimos. Nossos filhos existem. Continuamos, antes de sermos mães, sendo mulheres com objetivos e vontades pessoais, com trabalhos a cumprir, carreiras para construir, militância para participar. Se vamos aos trancos e barrancos, não é por coragem. É por falta de opção dentro de uma sociedade que nos empurra para a margem. Que nos cobra a família, mas não suporta crianças. Que nos cobra sermos inteiras, mas que nos dilacera a cada decisão política contrária à vida das mulheres.
Eu não quero mais ser a mulher corajosa. Eu quero ser apenas a mulher, assim como os homens são apenas homens.
#agoraéquesãoelas? #semprefomosnós!
Crédito da foto: Rossana Modolin.