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Pai de Menina

"Ser pai de menina. Isso gerou em mim um sentimento, donde nasceu uma pergunta: como criar meninas capazes de construir seus espaços neste contexto misógino?"

No começo, eu só pensava que viveria num mundo cor de rosa, feito de bonecas brancas, magricelas e de cabelos lisos…

 

Um exame sanguíneo chega e diz: “Ei! Tu vai ser pai.” A ultrassom acrescenta: “De dois”. Passados dois meses, o ultimato: “De duas!”.

No primeiro momento, tive grande alegria. No segundo, crise de histeria. No terceiro… nem sei se sei como dizer! Talvez o sentimento tenha sido o de alívio.

Deixe-me falar um pouco de mim para poder discorrer sobre como isso talvez influencie minha paternidade.

Possivelmente por ter sido criado mais rodeado de mulheres, acabei me identificando mais com a forma de pensar do gênero feminino (considerando os padrões sociais que definem, sem qualquer base científica, o que são comportamentos e formas de pensar tipicamente femininos). Já ouvi que sou homem de alma feminina, gay, incubado… Tudo quanto é comentário! Alguns imbuídos de homofobia ou misoginia, mas outros eram apenas especulações sobre minha personalidade.

Nunca senti incômodo por especularem. Eu mesmo sempre gostei de tentar buscar o me conhecer (de Platão, ou Delfos, como queira) ou o tornar-me mim mesmo (de Nietzsche). E não vi outra possibilidade além de colocar questionamentos constantes acerca das minhas escolhas, gostos e preferências. Isso talvez tenha me ajudado, durante certo momento da minha vida, a pensar diferente do macho que me esperavam ser.

Porém nesses parcos quase 30 anos que tenho passado por isto a que chamamos vida, vi e ouvi o suficiente para entender que o machismo existe de forma evidente e eu sou machista. Doa a quem doer, sou machista. Não é porque eu tenho um pouquinho (só um pouquinho mesmo) mais de sensibilidade e empatia com o público feminino que isso tira de mim os privilégios e olhares que adquiri quase por osmose desse grupo cujo nomeio sociedade.

Isso gerou em mim um sentimento, donde nasceu uma pergunta: como criar meninas capazes de construir seus espaços neste contexto misógino?

Como eu sei que o contexto é misógino? Como disse, ouvi muita coisa…

Em vinte e nove primaveras, não me recordo de ter brincado com bonecas. Minha vida inteira foi ocupada por jogos de lógica, quebras-cabeça, vídeo games, bonecos de guerra, heróis com superpoderes, boardgames, cardgames, Role Playing Games. E nenhuma, absolutamente nenhuma brincadeira que me vem à mente ajudou nos exercícios cotidianos que a vida adulta e a paternidade exigem.

Aprendi a ser cowboy, herói, soldado, violento, artista marcial, amigo… Desenvolvi habilidades de oratória, criatividade, interpretação, raciocínio lógico e blá blá blá… Contudo, fazer um “pitó” (ou algum penteado) mostra-se hoje mais difícil que derrotar o todo poderoso chefão de qualquer game!

O fato é que a vida esfregou na minha cara que aquelas brincadeiras não foram muito úteis no meu cotidiano pessoal. Nenhuma delas me preparou para ser pai. Muito menos de duas meninas. E de uma vez só? Nem pensar!

O pior são os primeiros comentários de alguns amigos: 1. Deixou de ser consumidor e passou a ser fornecedor, né? 2. Daqui a um tempo vão fazer com suas filhas o que você fazia com a dos outros. 3. Segura essas cabritas que tem muito bode solto. 4. Já afiou o facão? Preparou a carabina? Os cabras vão chegar! 5. Já comprou os analgésicos? Serão 3 TPM’s! 6. Preparou os bolsos? Menina é caaaaaara… 7. Eita! Vai ter de assistir teus filmes e jogar teus jogos sozinhos… Chato, né?

São brincadeiras que revelam valores de opressão às mulheres profundamente arraigados na sociedade.

Nunca fui dado a piadas dessa estirpe e, por isso mesmo, me vi num brainstorming. Como assim mulher é objeto de consumo? Vão tratar como eu tratei? Ótimo, serão muito bem tratadas! Porque devo protegê-las do namoro? Namorar é bom e faz parte do processo de amadurecimento e busca de felicidade da maioria dos humanos (embora, penso, tudo tem seu tempo e adultecer crianças perguntando quem é o namorad@ da escola não é um bom caminho). Quer dizer que o estresse delas será culpa da menstruação e o meu é culpa do trabalho? Por que o mundo geek/gamer não é para mulher?

Quem tem boca fala a estupidez que quiser ser, mais estúpido é quem aceita.

A maioria das pessoas que tecem esses comentários nem se dão conta do quanto estão rebaixando a condição feminina, qualificando todas as mulheres como, basicamente, um objeto que ou é sexual ou é bibelô ou é uma personal cuidadora. O pior de tudo isso é ver como nós, macacos sociais, absorvemos tanta coisa sem perceber e as multiplicamos e, portanto, reforçamos esses valores e comportamentos.

Mas quer ver marmanjo doido? Devolve as perguntas envolvendo alguma figura feminina por quem ele tem muito apreço. A mãe por exemplo… (seção de respostas)

Sorri amarelo. 1. Tipo teu pai consumindo tua mãe, né? 2. Tipo o que fizeram com tua mãe? 3. Na tua família quem foi que soltou a cabrita pra você nascer?

E por aí vai. Provavelmente esse não é o melhor caminho, e eu nem recomendo utilizar respostas tão agressivas, mas se essas respostas ofendem o emissor originário daquelas perguntas, então isso ilustra bem o panorama da coisa: toda mulher é assim, menos mamãe. Acontece que mamãe é igual a toda mulher para todo homem que não é filho dela. Se é ofensa para mamãe, nesse contexto de objetificação do ser, é ofensa para qualquer mulher. Minhas filhas inclusive.

Porém, o machismo é o menor dos meus problemas, por enquanto. Sendo eu bem resolvido e dando segurança, amor e autonomia às pequenas gremlins, tudo flui e elas irão aonde bem entenderem.

O penteado é que é o bicho papão! A folga dos primeiros anos e da carequice acabou. Tenho que aprender, não tem jeito. Ô trem difícil! Preciso estimular que elas aprendam desde cedo, para não sofrerem feito eu.

Ôpa! Pera aí. Num preciso fazer isso não. A turma já faz! Em menos de 25 meses, ganharam dezenas de bonecas, vassouras infantis, rodos, ferros de passar roupas, pequenas tábuas de plástico acompanhando os ferros, ursinhos de pelúcia…

Mas nada de motos, carros, bonecos lutadores, mind games, bolas de futebol…

Comecei a ficar meio tenso com isso… Por que meninos não precisam aprender a cuidar de crianças e de seu lar e meninas não tem a necessidade de desenvolver habilidades mais esportivas e/ou mentais?

Até que Ester pegou a tábua que era para passar roupas, virou do lado contrário e fingiu que era uma motinha!

Hum… Já sei por onde começar! Fui lá e fiz nada.

Parece que nessa história quem vai aprender sou eu!

No fim das contas, não tenho como mudar o mundo. Não tenho nem mesmo como mudar o outro. Só posso mudar a mim mesmo e, sendo mudança, transformar o pouco que posso. Assim, talvez, através do exemplo cotidiano e do diálogo constante, eu consiga ser o pai que minhas filhas precisam. Talvez assim elas consigam ser elas mesmas, com a confiança necessária para romper barreiras e transformarem o pouco que lhes cabe.

 

… no final, tô me vendo num universo multicor, onde só existe espaço para o amor e a felicidade. Porque não existe coisa de menin@, o que existe é meninice!

 

Beijos de luz!

Pedro Gurgel Moraes
Aluno da Escola da Vida.
Amante da Mulher Mais Bela.
Navegador dos Mares dos Sonhos.
Sob o Olor do Lírio e a Luz da Estrela.
Pedro Gurgel

Pedro Gurgel

Pai da Lis e da Ester, esposo da Raquel. Poeta, bardo e professor. O resto é conversa. Para outros textos (bem mais antigos): http://casadosacasos.blogspot.com.br/

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Comentários

11 comentários em “Pai de Menina”

  1. Ronaldo Ceravolo

    Pedro, compartilho da mesma experiência de vida que a sua, fui criado por maioria mulheres (avó, mãe, tias) e dois tios, e sou pai de meninas, ouvi as mesmas piadinhas que você, e mesmo sendo criado por maioria mulheres sofri influências machistas, como você mesmo disse nossa cultura é machista e enxergo esta cultura machista inclusive implantada em muitas mulheres, mas assim como você sei lhe dar muito bem com esse machismo e tenho criado minhas filhas com liberdade de escolha e sendo assim mostro as possibilidades e as consequências para cada escolha, seja escolha de uma roupa, de um brinquedo, de uma atitude etc, pois acredito que quando damos a liberdade de escolha e mostrando as consequências dessas escolhas, deixamos claro como o mundo poderá reagir à favor ou contra, daí vêm o exercício para aprendermos que toda escolha tem consequências e decidimos se queremos mudar à nós ou queremos mudar o mundo para que possamos viver melhor. Renato Costa, discordo do imposto rosa isso é coisa do passado, hoje os homens estão cada vez mais vaidosos e o tal imposto rosa se misturou com o imposto azul e agora estão cobrando o imposto roxo pra tudo, o capitalismo é voraz e rápido quando percebe as nuances e pequenas mudanças na sociedade. Poliana não se aflija, você está no caminho certo, sempre encontraremos pessoas para darem “pitacos” na forma que criamos nossos filhos, acredite você como mãe está dando o seu melhor para seus filhos, porém as escolhas serão deles sempre “certas ou erradas”, nossa função como mães e pais é fazermos o possível para darmos a estrutura para que nossos filhos possam entender e aprenderem com suas escolhas. Afinal nós mulheres e homens independente da idade, em alguns momentos de nossas vidas buscamos apoio em alguém ou algo e são nesses momentos de busca que eu desejo estar preparado para acolher, ser ouvidos, conversar, poder responder e se possível conseguir sanar as dúvidas e poder dar algum conforto as minhas filhas para que elas não precisem buscar o que elas necessitem em algo ou alguém que possa machucá-las de forma irreversível.

    1. Pedro Gurgel

      Ronaldo, fico muito grato pelo seu depoimento e empatia. É sempre bom ver que não estamos sós e temos apoio para oferecer melhores condições às nossas filhas!

      Abração!

      1. Ronaldo Ceravolo

        Pedro, repetindo a resposta que dei à Poliana, eu é que agradeço, pois aqui podemos aprender um pouco mais uns com as experiências e sabedoria dos outros! Um grande abraço!

      1. Ronaldo Ceravolo

        Poliana, eu é que agradeço, pois aqui podemos aprender um pouco mais uns com as experiências e sabedoria dos outros! Um grande abraço!

  2. Amei o artigo! Vem de encontro a tudo que eu tenho lutado! Sou mãe de gemeas e a vidinha cor de rosa é tensa, não por ser rosa, mas pelo rosa ser nossa única opção segundo a sociedade.

    1. Pedro Gurgel

      Olá Barbára! Um forte abraço aí! Estamos juntos nessa batalha pela autonomia das nossas pequenas. A cor pode ser rosa, azul, magenta, “cor de burro quando foge”, o importante é poder escolher!

      Beijos de luz!

  3. Renato Costa

    Pedro, sou pai de dois meninos e já fechamos a fábrica, então nunca terei essa experiência de ser pai de menina. Mas me identifiquei com sua postura de, através do exemplo cotidiano e do diálogo constante, mostrar para meus filhos como é importante tentar deixar o mundo um pouquinho melhor que o encontramos.

    Infelizmente, a frase sobre menina custar mais caro é verdade. Meninas e mulheres na verdade. Os produtos exclusivos para o público feminino tem preço maior, o tal do imposto rosa (pink tax). https://tab.uol.com.br/design-genero/#tematico-3

    Um abraço!

    1. Pedro Gurgel

      Renato, muito obrigado pelo seu comentário, querido!

      Apesar do texto falar sobre a paternidade de meninas, o que combatemos aqui é essa desvalorização social de tudo o que é culturalmente “feminino”. Não conhecia esse termo “pink tax”. Bom saber! Mais algo para combater de forma específica (na criação de um design unissex) e mais um motivo para comprar coisas “de meninos” para as meninas, só pra desconstruir mesmo!

      Se não podemos deixar um mundo melhor pros filhos, que deixemos, pelo menos, filhos melhores pro mundo.

      Beijos de luz! 😉

  4. Poliana Mendes Barbosa Duarte

    Tbm ouvi muito que menina era mais cara, era mais difícil, era mais complicada, “isso é de menina, né?”, “meninas são assim, amam fotos”, “menina é vaidosa desde pequena”, “meninas são tão delicadas”… >-P Já vinha (e sigo) lutando contra maré para não criar um menino machista (como é difícil nessa sociedade!!! Mas a gente não desiste), aí pá! Vem uma menina! Eu teeeensa!!! Como criar uma menina num mundo que a objetifica e que os homens são sua maior ameaça? Como criar um menino nesse mesmo mundo? Minha saída tem sido ler muuuitooo!!! Deixo clara minha posição para a família e amigos (vassourinha lá fui eu mesma que comprei e para os dois), mas é croosss!!! O que mais ouço é que estou criando meu filho para ser gay e que é um absurdo minha filha amar mais os carrinhos do irmão e não curti as bonecas. Mas já me disseram que na escola, convivendo com outras meninas, ela conserta… Que alívio!!! #SQN
    O importante é não desistir! Precisamos mudar esse mundo! Enquanto isso, muita paciência e jogo de cintura!

    1. Pedro Gurgel

      Nossa Poliana! Que tenso, hein? Super empatizo com esses seus desafios… Tomara que nossos filhos CONSERTEM a escola e toda essa sociedade! E não esquece de avisar ao pessoal que nossa identificação com gênero não muda quando varremos, nem quando entendemos de carros. Estamos juntos nessa! 😉

      Beijos de Luz!

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