Castigo, punição e cantinho do pensamento. Os nomes são muitos, mas o objetivo é o mesmo: punir as crianças, para que elas aprendam uma lição. Não é a primeira vez que eu escrevo sobre isso aqui no blog, mas para mudarmos a maneira de disciplinar nossos filhos, ainda será necessário falar muito, e muito mais sobre isso. Se você ainda não leu, talvez se interesse em ler Cantinho do Pensamento: Por Que É Uma Porcaria? e também 12 Alternativas Para o Castigo – Disciplina Positiva.
Quando você pergunta a pais ou mães sobre o castigo e seus motivos, muitos usam algumas das seguintes respostas para justificar esse método de disciplina:
— Colocar de castigo é melhor que bater, né?
— Eu sempre ficava de castigo e estou bem hoje. E, olha, eu merecia mesmo ficar de castigo, eu era terrível!
Para começo de conversa, não dá para justificar uma agressão com outra, né? Castigar é melhor do que bater, bater é melhor que dar uma paulada, e por aí vai. Então, vamos desconsiderar esse primeiro exemplo que as pessoas dão, porque simplesmente não faz sentido.
Mas tem as mães e pais que pensam que mereceram, de fato, todos os castigos (e até agressões) que receberam. Pensam também que não foi nada demais, que não houve impacto algum em suas vidas. Vamos refletir um pouco sobre isso e, espero, que no final do texto, já tenhamos uma noção bem diferente dessa.
Pensando especificamente em castigos, podemos levantar alguns problemas que eu encontro nesse método de disciplinar filhos. Qual o problema do castigo? Bem, podemos listar vários problemas, então vou falar de 3 problemas que eu acho que são bem grandes. O primeiro deles é um que eu comecei a abordar no meu post sobre Qual o Foco da Disciplina Positiva?
1- Castigos não funcionam a longo prazo
O primeiro problema é que castigos não funcionam a longo prazo. Você pode até pensar que eles são eficientes a curto prazo, porque interrompem imediatamente um mau comportamento. Ok, eu concordo. Mas a longo prazo isso não funciona, porque você está apenas olhando para o comportamento, e não está tratando dos sentimentos e as necessidades por trás disso.
E então, com o passar do tempo, os castigos passam a ser cada vez menos eficazes. Os pais adeptos do castigo começam a concluir então que seus filhos são crianças-problema, extremamente mal educados e a única solução é aumentar a intensidade do castigo.
Os castigos se intensificam, com pais usando a criatividade para bolar punições cada vez mais cruéis, mas que funcionam cada vez menos. Pense comigo: você já deve ter passado por isso, ou ouvido alguém próximo falar sobre isso.
E o mais curioso é que, em momento nenhum, esses pais pensam na possibilidade de toda a ideia de castigar é que não funciona, então pensam que é uma questão de só fazer os filhos sofrerem ainda mais e, como não funciona, a culpa é dos próprios filhos. Percebe o ciclo vicioso aqui? Precisamos quebrar o ciclo!
2- O resultado não é bem o que nós esperamos
O segundo problema é que os castigos provocam o tipo de reação completamente diferente do que a gente espera. Você pode pensar que um bebê de 1 ano, colocado no cantinho do pensamento, vai pensar sobre o que ele fez de errado? Mas nunca que isso vai acontecer! E você sabe por que? Porque ele não tem a menor maturidade cerebral para lidar com esses conceitos abstratos.
Mas e o castigo para uma criança mais velha? Ah, isso deve funcionar, não? Uma criança de 5 anos no cantinho do pensamento com certeza vai pensar sobre o que fez de errado. Na verdade, não. Muito provavelmente essa criança terá uma dessas reações:
- Reações de ressentimento, onde ela reflete sobre o que os pais fizeram com ela — “isso é muito injusto, odeio meus pais! Porque eles fizeram isso? Eu não merecia isso!”
- Reações de vingança, onde ela reflete sobre o que fazer em troca — “ah, mas eu vou descobrir uma maneira de me vingar, isso não vai ficar assim!”
- Reações de baixa auto-estima, que vão minando sua auto-confiança — “é, eu sou realmente mau, acho que eu mereci mesmo isso, não sirvo para nada”.
- E também reações do tipo — “tudo bem, da próxima vez vou fazer com que eles não me peguem”.
Pense um pouco agora e lembre-se da sua própria infância. Quantas vezes você não se sentiu assim? Quantas vezes você não pensou nessas coisas? Eu sei que eu já pensei muitas vezes assim, e é do mesmo jeito que os nossos filhos vão pensar. Precisamos mudar a maneira como eles interpretam um erro que cometem, e entendam que todo erro é uma oportunidade de melhorar, não de sofrer.
3- Passamos a mensagem errada quando castigamos
O terceiro problema que eu vejo é que você passa a mensagem errada para o seu filho, quando o coloca de castigo. Acho que ninguém tem dúvida que filhos são colocados de castigo porque seus pais os amam e querem que eles aprendam importantes lições da vida, né? Pois é, mas essa não é a mensagem que chega aos nossos filhos. Na verdade, muitas vezes, a mensagem que passamos com as nossas atitudes são completamente opostas às que desejamos passar.
O castigo é um exemplo disso, porque imagine uma criança que está tendo dificuldades de lidar com seus sentimentos, pedindo ajuda para lidar com uma crise emocional, ou que faz alguma malcriação porque está com alguma necessidade não atendida. Se pararmos para pensar, essa criança já está sofrendo de algum modo e, mesmo sem saber como pedir da melhor maneira, ela está precisando da nossa ajuda, do nosso afeto e do nosso acolhimento. E, ao invés disso, o que fazemos? Deixamos de castigo. Afastamos nossos filhos quando eles mais precisam de nós.
Enquanto pensamos que estamos disciplinando-os porque nós os amamos, na verdade, o que eles ouvem é “eu só quero você perto de mim quando você atende as minhas condições” ou “você só é amado quando faz o que eu quero”. É duro, porque nenhum pai ou mãe quer falar isso para seu filho, mas o que importa realmente é o que eles percebem e internalizam, não?
Então, ao invés de afastar, precisamos acolher. Ao invés de darmos condições para o nosso amor, precisamos mostrar aos nossos filhos que nosso amor é incondicional e que, independente do que eles façam, continuarão sendo amados.
Mas e se for um castigo leve?
Bem, castigo é castigo. Leve ou pesado, continua sendo castigo.
Lembro de ter ouvido o relato de uma mãe em um dos meus encontros falando sobre esses castigos leves. Se, por exemplo, a criança joga a comida no chão, ela era tirada do lugar, e colocada sentada no quarto. Até aí, parece um castigo convencional, não é? Mas a diferença é que, nesse caso, a mãe também ficava de castigo.
Durante todo o castigo, ela falava sobre o que a criança havia feito de errado e eles só saíam do castigo quando ele pedia desculpas, por exemplo. É um castigo mais suave? Sim, porque a criança não se sente abandonada. Mas é porque é mais suave que temos que fazer isso?
Ainda assim, quando fazemos isso, não conseguimos tratar do que está por trás do mau comportamento, como os sentimentos e necessidades. Sem contar que a oportunidade de utilizar a consequência lógica é perdida, ou seja, comida no chão, chão sujo, é preciso limpar o chão.
Além disso, particularmente (apesar de saber que isso é muito pessoal), gostaria que meu filho me pedisse desculpas quando e se ele estivesse realmente arrependido. Senão é vago, só para sair do castigo mesmo.
E você? O que pensa sobre o castigo? Quais são as suas experiências? Deixe seu comentário, vamos conversar!
26 comentários em “Os 3 Problemas do Castigo”
Você pode dar um exemplo da última situação dessas que aconteceu? Conte em detalhes que eu posso tentar ajudar!
Oi, Carina! Isso é chamado de consequência lógica, e é uma das ferramentas da disciplina positiva. Você fez um combinado com o seu filho, ele não cumpriu, e a maneira com a qual ele está agindo no parquinho faz com que não seja possível vocês permanecerem lá. Então, vocês voltam para casa, para que outro dia vocês possam voltar. E, no caminho, você conversa e tenta explorar com o seu filho o que aconteceu para que ele fizesse as coisas que fez no parquinho. Essa é uma solução que não só ensina causa e consequência, mas que também nos permite entender os sentimentos e necessidades por trás do comportamento dos nossos filhos. A única coisa que me preocupa é que normalmente não é assim que não acontece, porque os pais e mães tiram seus filhos do parque sem aviso prévio, chamando-os de grosseiros, violentos, e tantos outros nomes negativos, vão passando sermão ao longo do caminho até chegar em casa e, quando chegam em casa, ainda colocam os filhos de castigo. Percebe a diferença do que você sugeriu para o que normalmente acontece?
Oi, Michele! Eu também concordo que vídeo-games são muito complicados, apesar de ser um amante. São muitos estímulos para uma criança tão pequena quanto o seu filho e, a não ser que seja algo bem controlado e acompanhado por vocês, eu também tiraria o acesso. Mas tiraria não para punir, mas porque não está fazendo bem a ele. Quanto ao castigo de “ficar 1 ano sem jogar”, tente pensar qual é o entendimento de tempo de uma criança de 5 anos. Ela nunca vai conseguir medir esse 1 ano, então é a mesma coisa que dizer que vai ficar 6 meses, ou 2 meses. Punições não funcionam porque elas não estão ligadas logicamente com a origem: perde o acesso ao jogo porque foi mal comportado na escola. Não há ligação lógica entre esses eventos. Se ele tem algum mau comportamento, eu investigaria para saber o que aconteceu, para entender os sentimentos e necessidades dele por trás desse comportamento. Não é o castigo que vai resolver o problema, mas entender o que está por trás dele que vai nos ajudar a entender e educar nossos filhos.
Concordo, Thiago. Por isso eu disse a ele que ele não jogaria mais pq não faria bem. Mas na pressão da escola por soluções, meu esposo acabou penalizando o pequeno :/ Super injusto. Mas agora não tem como rever. E qto ao mau comportamento, vi o seu vídeo da agressividade e de fato você estava certo: ele encontrou um ambiente hostil, uma péssima professora, que inclusive foi demitida pq a escola percebeu que ela não tinha jeito pra lidar com as crianças e enfim a paz foi reestabelecida. Isso que novamente me parece injusto, nem era erro dele, era um pedido de socorro. Mas enfim, vou conversar com meu esposo e corrigir essa coisa de “1 ano”. Mesmo que ele não volte a jogar agora, ao menos tirar a ideia do castigo por prazo indeterminado.
Isso! E, inclusive, vocês voltando atrás e falando que a coisa toda do “1 ano” foi algo que o pai fez porque estava com raiva já ensina uma lição muito importante para o filho de vocês: que vocês são humanos e também erram. É muito importante isso, porque aproxima ainda mais vocês um do outro.
Oi, querida! Pois é, como você disse, essa fase que a sua filha está passando é bastante desafiadora. Além de estar descobrindo e afirmando quem ela é, ela também testa tudo. Testa o que vai acontecer quando bate na gata, quer subir na cadeira, e coisas assim. É normal, mas não significa que devemos deixar isso acontecer livremente. O que eu sugiro, que é o que fizemos com o Dante nessa época é mostrar as consequências: se ele bate muito nos gatos, que não é legal e machuca, eles não vão querer brincar com ele. E ele percebeu como os gatos passaram a fugir dele. Daí passamos a mostrar a ele que sempre que ele dava carinho ou comida, eles se aproximavam mais dele. Acho que você pode tentar também reforçar as coisas positivas do cuidado, como pedir ajuda dela para brincar, dar comida, dar banho, ao invés de só focar em dizer o que não pode, entende? Assim, damos mais opções aos nossos filhos quanto ao que eles podem fazer. Além disso, é importante tentar enxergar o que pode estar por trás do comportamento. Como você disse que tem muitos animais, pode ser que isso seja uma expressão dela para dizer que gostaria de ter mais atenção de você, uma vez que você também deve gastar um tempinho considerável para cuidar desses animais, né? Então, tente envolvê-la no cuidado diário e reserve alguns momentos de atenção exclusiva à sua filha. Espero que ajude!
Depende da sua intenção. Se você tira algo que ela goste para punir, ou “ensinar uma lição”, entra na lógica da punição, que não faz muito sentido a longo prazo. Por exemplo, se você tira o carrinho preferido de uma menina só porque ela bateu no gato, você está querendo que ela não bata no gato não porque isso machuca, mas porque ela tem medo de perder o carrinho preferido dela. Mesmo que você explique, não tem uma ligação lógica entre esses dois eventos.