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A Pílula Vermelha e Saindo da Matrix

"Como é essa mudança de pensamento? Como funciona a quebra de paradigmas quando você se propõe a entender a humanização do parto? Sair da Matrix é um caminho sem volta, mas que nos reserva alegrias e amores nunca antes imaginados."

Em 2012, eu e minha esposa decidimos que teríamos um filho. O alarme do relógio biológico dela já havia disparado há mais tempo, e assim, no início de 2012, decidimos que teríamos um bebê. Se existe uma coisa que eu aprendi ao longo desse tempo é que, se você não se informar, muito dificilmente as coisas vão dar certo para você. E foi assim, desde que eu e minha esposa engravidamos – sim, eu gosto de dizer que engravidei junto com a minha esposa, mas isso é história para outro post.

Grávida, a Anne então começou a pesquisar sobre parto. E, aos poucos, começou a perceber a triste realidade sobre o parto no Brasil. Não é possível, hoje, neste lindo país, esperar que um parto seja respeitoso (para a mãe e para o bebê), sem que você se informe, planeje, assuma responsabilidades e decida como você deseja que tudo ocorra. E assim, ela começou a me trazer essas informações novas que, devo admitir, eram bastante difíceis de digerir assim, de cara.

– Mas como assim, a gente paga um plano de saúde e não vai poder usá-lo?

– Não, amor, por plano eu vou acabar caindo numa cesárea.

– Peraí, mas e a doutora Fulaninha Safadeza (descobri que esse nome caracteriza um grande número de ginecologistas obstetras)? Tudo bem que ela não é muito de conversar sobre o parto, mas ela diz que o trabalho dela é entregar o bebê e mãe com saúde. Isso é bom… Né?

– Não, parece que essa é uma das muitas desculpas que esses médicos dão, para não fazer parto normal.

– Ahhh, não, mas na próxima consulta eu vou conversar com ela!

E foi assim, por mais algumas consultas, tentando extrair alguma informação sobre as condutas dela durante o trabalho de parto. Olha, vou dizer para você, já conheci muita gente escorregadia nessa vida, mas aquilo era digno de um prêmio. Pensando agora, deveriam mesmo fazer um prêmio chamado “Profissional Quiabo do Ano”… Mas voltando ao assunto, sempre que a Anne tentava falar sobre o parto natural que ela desejava, sem intervenção e sem anestesia, a médica era seca (quando não era grosseira) e escorregava que era uma beleza. Até que uma vez ela disse que a data marcada era tal, e que esse era o limite que ela poderia esperar pelo início espontâneo do trabalho de parto. O limite que a médica deu era de 40 semanas (se você não sabe, o parto a termo é considerado quando ocorre entre 39e 42 semanas), ou seja, ainda teria uma gordurinha para o nosso filho nascer.

A Anne, sempre pesquisando na internet e lendo sobre tudo que tinha relação ao parto, já sabia que não tinha muito para onde fugir. Tirando pouquíssimas exceções, médicos de plano são cesaristas. E essas pouquíssimas exceções são que nem cabeça de bacalhau: eu nunca vi.

Pois bem, nós conversávamos muito e eu, que simplesmente não conseguia conter minha revolta contra o sistema, era muito resistente com relação a pagar para um médico vários milhares de Reais para a minha esposa ter um parto que deveria ser o padrão na vida normal de uma pessoa. Simplesmente não entrava na minha cabeça por que nós precisávamos disso tudo. Acho que essa minha resistência era o medo de enxergar a realidade, o medo de tomar logo a pílula vermelha e sair da Matrix. Hmmm, cabe uma pausa para falarmos sobre essa referência ao filme Matrix, de 1999, onde alguns humanos conseguiam “acordar” de uma simulação de realidade e eram capazes de viver, então, no mundo real. Esse trocadilho faz referência ao estado de epifania em que as pessoas se encontram, quando descobrem a realidade sobre o parto.

E acho que, no meu caso, eu saí da Matrix quando a Anne falou a palavra doula. Foi algo mais ou menos assim:

doula_matrix

Doula? Que diabos, isso nem deve ser uma palavra de verdade! Genial, não é só um parto todo que precisamos pagar, mas também pagar uma mulher que vai ficar massageando a minha mulher. E onde eu fico nessa história? Vou ver um jogo de futebol na sala, mesmo detestando futebol? Eu já disse que doula nem deve ser uma palavra de verdade? Mas sim, é uma baita palavra que, no futuro se demonstrou importantíssima para nós, em tantos aspectos: doula é a pessoa que presta suporte físico e emocional à mulher (e à família) antes, durante e depois do trabalho de parto. Mas foi mais ou menos assim que tudo começou a abrir na minha mente, e eu comecei a enxergar todo o novo universo que se expandia por trás da lucrativa indústria de cesáreas (lucrativa não para mim, nem para você, obviamente).

Fomos a uma consulta com um ginecologista obstetra humanizado. Esses profissionais estão alinhados com o que se pratica atualmente, em termos de humanização do parto, respeito à mulher e bebê, e posicionamentos sustentados por evidências científicas. Claro que o plano de saúde não cobre, e claro que não é barato. Mas foi essencial esse contato para que eu tivesse ainda mais garantias de que o caminho que nos propusemos a seguir era o melhor. Ele acompanhou todo o pré-natal da Anne, mas durante o processo, passamos de um parto hospitalar humanizado para um parto domiciliar planejado. Esse processo, eu pretendo contar num próximo post, que é outra história interessante.

É caro? Com certeza. É errado você ter que pagar por isso duas vezes? Com certeza. Mas será que é importante você garantir que a sua esposa e o seu filho serão respeitados? Sem dúvida alguma. Então começamos a fazer uma poupança do parto.

Hoje, estou aqui, ativista pelo parto. Mas já estive aí desse lado, na Matrix. A grande pergunta que fica é: qual pílula você vai tomar, vermelha ou azul?

Thiago Queiroz

Thiago Queiroz

Psicanalista, pai de quatro filhos, escritor, palestrante, educador parental, host dos podcasts Tricô e Pausa pra Sentir (dentre outros), autor dos livros "Queridos Adultos", "Abrace seu Filho", "A Armadura de Bertô" e "Cartinhas para meu pai", participou também do documentário internacional "Dads".

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Comentários

15 comentários em “A Pílula Vermelha e Saindo da Matrix”

  1. Thiago, eu nunca vi cabeça de bacalhau, mas um médico do plano q respeitasse a mim e a minha família (bb e marido) e q me proporcionou um parto maravilhoso, esse sim eu conheci!!! E tenho muita admiração por ele!

  2. Paizinho,

    É isso mesmo.. Comigo também foi assim, mas já sabia q 95% dos medicos de plano eram cesarista. Mas tinha uma leve esperança de encontrar alguém dentro do plano.. E depois quando nasce, tem o PEDIATRA!!!! Que também nao esta fácil de achar no plano.

    Uma coisa curiosa no seu relato e que nos pais começamos a ficar informados por nossas mulheres.. 250% da informação antes, durante e depois devo a ela..

  3. Acho incrível quando o parceiro se entrega junto. No meu caso, eu sabia que existia essa ‘máfia das cesarianas’ e pulei de GO em GO até que encontrei (hunf, que bobinha) um que aceitou (pelo plano? ahãm…) Relaxei e parei de pensar no quesito parto. Maridón nem tchun. Segundo ele, o corpo é meu e eu devo decidir o que fazer (prefere evitar a fadiga, néam). Quando descobri que o GO era um cesarista mór, tive peito para enfrentá-lo e neguei o agendamento da cirurgia. Phorran, agora phudeu. E o que eu fiz?!!! Fui para o hospital público mais perto de casa. E o que aconteceu?!!! Assim que a bolsa rompeu eu corri para lá. Cena clássica de filme, um trânsito dos infernos, meu pai cantando pneu, minha irmã de 10 anos com a cabeça para fora da janela do carro gritando que a irmã ia parir…

    Ué, na minha cabeça era simples. Se eu optasse em tentar a emergência pelo plano eu cairia na faca fácin fácin. Então eu tinha que ir para o público mesmo porque aí sim eu ia pelo menos tentar o PN. Nem imaginava o que era violência obstétrica. Agora eu sei. 🙁

    Mas estamos aí, enchendo a caixola de informações baseadas em evidências para poder espalhar.

    Tamu-juntu!

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