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Exaustão e Pandemia

"Na pandemia, nossa relação com o outro mudou drasticamente: o trabalho não pára e estamos exaustos. Como ficam nossas famílias e nossas crianças?"

O ano era 2020, tudo acontecia normalmente: réveillon, resoluções, metas, planos e carnaval até vir uma notícia de um novo vírus surgindo na China. Não era possível imaginar que esse vírus tomaria o mundo e se tornaria uma pandemia logo no terceiro mês do ano. Nesse momento, todo mundo estava meio perdido, pensando no que iria acontecer, pensávamos que iríamos nos isolar temporariamente e tudo iria passar, só que, bom… Não passou. Eis que estamos em 2021, ainda na pandemia, vivendo num país cujo governo não só não definiu nenhuma política pública de mitigação da pandemia como fez o possível para descreditar todas. Posso estar sendo injusto, pois houve uma grande compra de um remédio sem comprovação de eficácia contra a Covid-19 e com efeitos colaterais severos. Houve, ainda, a opção pelo tratamento precoce com estes medicamentos, preterindo  a vacinação. Dito isso, aqui no Brasil está sendo bem difícil ser esperançoso, quiçá até viver, pois isso tudo tem gerado uma grande exaustão em todos nós que temos o mínimo senso de qualquer coisa. É cansativo ouvir tanta má notícia, cansativo ver o quanto as pessoas negam a pandemia, é cansativo e triste ver as necessidades das nossas crianças não sendo atendidas e é cansativo se sentir obrigado a produzir nesse momento crítico.

Deixa eu contar minha história até agora: eu sou Físico Médico, atuo em hospitais na área de diagnóstico por imagem e medicina nuclear, portanto não fiz home office. Eu ando na rua desde que tudo começou e confesso que foi tudo bem estranho de se ver. As ruas vazias, mas não era um vazio de final de semana, é um vazio meio que de filme distópico. Perto do hospital em que trabalho, eu via poucas pessoas e, sempre que eu passava por alguém, a gente se entreolhava em estranhamento. Minha esposa ficou de home office, minha mãe também e minha cunhada, também da área de saúde, ficou empenhada na implementação de um hospital de campanha para Covid-19. Com todas essas pessoas sob o mesmo teto, foi natural notar que nossos nervos ficaram à flor da pele. Assim, entrei na terapia para não entrar em colapso. Nunca acertei tanto numa decisão nessa vida. O tempo passou, a gente se adaptou, as coisas foram mudando pelas ruas, cada vez mais gente se deslocando como se nada acontecesse. O fato da casa ser grande deu uma sobrevida boa pras necessidades do meu pequeno Jeipi. inclusive, ele começou a falar muito, muito mesmo, talvez por ver tanta gente falando, não sei.

Esse texto, apesar de vir como uma forma de canalizar minha energia pra alguma coisa, não é sobre mim. Eu quero falar sobre como esses tempos estão deixando a gente no limite. Uma coisa que inicialmente foi tida como algo bom é o home office. Não podemos negar que isso tem suas vantagens, mas num mundo capitalista neoliberal, todo cuidado é pouco quando se fala em trabalho. A grande armadilha do home office é não estabelecer limites entre seu ambiente de trabalho e sua casa. Mães e pais sofreram muito e estão sofrendo para tentar criar seus filhos entre uma reunião e outra, como diz meu filho, “o computador onde ficam os amigos da mamãe”. Quando ele disse isso pela primeira vez foi fofo, mas agora, escrevendo esse texto, eu me emocionei, pois isso mostra o quanto ele gostaria que a mamãe pudesse estar mais com ele. Eu não posso fazer muito, pois estou na rua e não posso atender enquanto não chego. Essa é a configuração que eu conheço, mas em todas outras existem implicações bem complexas disso tudo.

Independente de estarmos em home office ou não, a gente precisa levar em conta o isolamento social. 

A essa altura do campeonato a pandemia ainda não acabou, então a gente continua se isolando. A gente faz compras ou resolve coisas importantes seguindo as medidas de segurança da melhor maneira possível, mas é impossível negar que nossa relação com a rua, o externo, mudou muito. Os momentos de saída são tensos e apressados, sempre. Pra quem só está fazendo isso e não vê seus amigos queridos, não troca um abraço, uma conversa amena pessoalmente ou uma cervejinha na calçada como o carioca gosta, talvez tenha concluído o mesmo que eu: desde o início da pandemia, eu só trabalho! Pois é, e aí leitor, não tem jeito, a gente fica exausto. A rua, o externo, parou de ser um refúgio pra gente sair do nosso ciclo de produção e consumo. Nosso lar parou de ser um mero local de descanso. A gente não pára mais.

E as crianças? Elas ficam no meio desse turbilhão violento sem ter muito como reagir, indefesas. Eu gritei com meu filho pela primeira vez e um dia recebi uma mensagem da minha companheira dizendo que tinha feito isso também. A reação dele comigo foi me olhar assustado, quase como se não me conhecesse. Além disso, a casa está pequena pra ele. A gente achou um lugar aberto em que dá pra levá-lo e tomar cuidado com as medidas de segurança, nem que seja uma vez na semana. O pior é que, mesmo assim, ainda falta muita coisa pra ele satisfazer suas necessidades de conhecer o mundo. Um dia saímos de carro para levar uma coisa pra uma amiga e ele ficou doido pra ver o filho dela, da mesma faixa etária. Explicamos que era só deixar uma coisa, que íamos só passear. Quando chegou em casa, ele ficou frustrado e chorou, como era de se esperar. Imagino como não deve ser para os pais em apartamentos, sem redes de apoio e pras mães solo.

Eu acho que estou só refletindo sobre tudo que aconteceu até aqui e como estamos tentando lidar com isso, sobrevivendo. Não tenho a intenção de julgar ninguém com esse texto, apenas pensar. Acho que  precisamos pensar bastante sobre como estamos vivendo e como podemos aprender com isso. Sinceramente, eu abandonei há muito o discurso de sair melhor da pandemia, pois eu falo por mim mesmo que estou fazendo um monte de coisas do jeito que eu não gostaria. No entanto, acho que dá pra tirar alguma coisa desse momento. Tem gente que vai ficar de home office direto, e que por isso conseguiu começar a fazer exercícios em casa e tá aprendendo a separar o ambiente de trabalho do lar. O que a gente reinventa pra poder passar por isso da melhor maneira possível pode virar um hábito legal. Ler mais ficção, voltar a ouvir músicas que não ouvíamos, assistir novos tipos de programas para aliviar a mente travada no ciclo produção/consumo pode ser uma solução. Acima de tudo, precisamos aproveitar pra olhar pros pequenos e entender que pra muita coisa a gente pode ter um pouco menos de rigor e deixar eles se reinventarem também. Eles se adaptam muito melhor do que nós. Se nós permitirmos e nos permitirmos, podemos observar o quanto esse momento pode ser menos cansativo. As armadilhas da nossa sociedade são muito poderosas e estão prontas para nós que nos acostumamos a viver sob o domínio delas, como um grande labirinto. Apenas o olhar infantil, o olhar de quem ainda não entrou nesse labirinto, pode nos mostrar que precisamos de muito menos do que o mundo nos vende. Quem sabe assim podemos mudar um pouco, não é? E se um dia vamos lembrar disso de alguma forma, espero de coração que vocês se lembrem da melhor forma possível.

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