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Recompensas São Inúteis? Sim ou Com Certeza?

"Recompensas são inúteis. Pronto, falei. Mas por que não funcionam? E qual o problema de estrelinhas e os quadros de recompensas? Vem discutir!"

Recentemente, circulou pelas redes sociais a foto do recado de um pai para a filha. Nesse recado, o pai dizia que, a partir daquele dia, ele mudaria a senha do Wi-Fi da casa todos os dias e que, para a filha saber qual era a senha, ela precisaria arrumar o quarto e lavar a louça.

Você chegou a ver essa imagem? Se viu, o que você pensou sobre isso?

A maioria dos comentários que eu vi foram sobre como essa ideia era fantástica. Como é que nunca ninguém pensou nisso antes? É a solução de todos os problemas com filhos! Filhos adolescentes, então? Nossa, a melhor solução já criada!

Essas ideias super criativas surgem de tempos em tempos. Há um tempo atrás, lembro que teve aquele esquema super complexo de remuneração de filhos, recompensando os filhos com pequenas quantias de dinheiro para cada atividade que ele fizesse, ou para todo “bom comportamento” apresentado.

E isso nos traz aqui, para falar sobre adestramento de filhos. Adestramento pode parecer uma palavra forte, mas quando utilizamos artifícios para condicionar o comportamento dos nossos filhos, para que façam o que desejamos, bem, é adestramento.

Não é de hoje que sistemas de recompensas são famosos por “resolver todos os seus problemas”, mas eu queria usar esse espaço para explicar por que eu penso que recompensas são inúteis.

Apesar da propaganda, não resolve os seus problemas

Então, vamos imaginar que temos um problema com os nossos filhos e o problema é: eles não são obedientes. Não são educados e não fazem nada que pedimos. Agora, imagine um sistema de recompensas que se propõe a resolver esse problema. Esse sistema de recompensas é real, proposto por uma psicóloga a uma mãe que veio me pedir ajuda por email, há algum tempo:

 

OBSERVAÇÕES

  • Ao final de cada some o total de pontos que sua criança ganhou
  • Risque neste total os pontos que sua criança for gastando
  • Faça muito elogios por seu bom comportamento e pelos pontos que ele ganhou

 

Agora, vamos avaliar a proposta da profissional: para a criança jogar vídeo-game (50 pontos), ela precisa se controlar em situações de raiva por 10 vezes (5 pontos cada). Não interessa o que ela ela estiver sentindo, ela só precisa não explodir. Só isso. Os sentimentos e as necessidades por trás disso precisam ficar controlados e escondidos, senão aqueles 5 pontos não são contabilizados e aquele vídeo-game fica cada vez mais distante.

Se ela for gentil com outras pessoas, bem, isso já é mais complicado, porque ser gentil “só” dá 2 pontos na planilha. Então, para a criança conseguir um carrinho (30 pontos), ela precisaria ser gentil 15 vezes.

E por aí vai a contabilidade do comportamento. Será que isso resolve o problema? A não ser que você queira que o seu filho “engula” os seus sentimentos por causa de pontos, e que ele seja gentil com outras pessoas para ganhar um carrinho, então recompensas não resolvem o problema de ninguém.

Passa a mensagem errada para os nossos filhos

Como exercitamos bastante a empatia nas nossas conversas por aqui, tente se colocar no lugar da filha, lá na história do Wi-Fi. Imagine você ao se deparar com essa mensagem do seu pai, presa na porta da geladeira. O que você pensaria? O que você sentiria?

Eu posso dizer, por mim, que eu me sentiria extremamente impotente. Eu entenderia a mensagem por trás disso como sendo: só quem tem poder ganha as discussões. E sabe em que mais eu pensaria? Em alguma maneira de revidar, seja reconfigurando o roteador de internet — se eu fosse adolescente — ou qualquer outra coisa para me vingar, caso fosse criança demais para configurar um roteador.

Em momento nenhum, eu pensaria como isso me deu a oportunidade de participar ativamente da manutenção da casa onde eu moro. Ninguém pensa nisso. E mais: lavaria a louça e arrumaria meu quarto com ainda mais raiva dessas atividades, ficando cada vez mais longe a possibilidade de fazer disso uma atividade prazerosa.

Se você ainda não se convenceu, uma pergunta

Pode ser que, até esse ponto do texto, eu não tenha conseguido convencer você de que a recompensa é realmente inútil. Pode ser que eu nunca consiga convencer — e tudo bem, a vida é assim mesmo — mas eu gostaria de fazer uma última pergunta a você:

Por que você deseja que o seu filho faça o melhor?

Talvez você tenha respondido algo nesse sentido: porque eu quero que meu filho seja educado, que tenha valores e seja uma boa pessoa. Se você respondeu isso, então você não pode contar com as recompensas para obter o seu objetivo.

E sabe por que? Porque, através das recompensas, ninguém faz nada porque deseja ser uma boa pessoa, mas sim para receber o prêmio no final! A filha, lá da história do Wi-Fi, não vai lavar as louças porque sabe que é importante dividir as tarefas em casa, mas para poder usar a internet do telefone.

Então, se nos colocarmos no lugar dos nossos filhos, por que nós faríamos o melhor para os nossos pais que usam recompensas como método disciplinar?

Muito provavelmente, você vai chegar à conclusão de que seu filho irá, ao longo do tempo, tratar os outros com gentileza e “fazer o bem” apenas para ganhar pontos, ou estrelas, ou qualquer nomeclatura que você possa dar no sistema de recompensas que você criou.

Por isso que eu digo que nenhum sistema de recompensas é eficiente, porque ele produz um efeito que é meramente superficial. E, a longo prazo, nós começamos a sempre buscar motivadores externos ao que nós podemos ou não fazer.

É o clássico “o que eu vou ganhar com isso?”

Mas o que fazer, então?

Ah, verdade, eu também detesto quando as pessoas escrevem, escrevem, escrevem e criticam um determinado método que você utiliza, mas, bem na hora que você já está convencido, o texto acaba e ninguém diz o que você poderia fazer no lugar.

A resposta é: disciplina positiva. Eu sei, essa resposta é bem vaga. Mas é justamente porque não existe uma fórmula mágica para resolver “problemas com filhos”, tudo depende do contexto, do vínculo, das necessidades e sentimentos dos nossos filhos. É mais uma mudança de visão sobre o que acontece com os nossos filhos do que uma troca de métodos, propriamente dita.

Então, convido você a ler outros textos que eu escrevi, onde mostro exemplos práticos da aplicação da disciplina positiva e, também, meu canal do YouTube, onde eu também falo bastante sobre como enxergar os desafios do dia-a-dia sob a ótica da disciplina positiva. E se você tiver alguma dúvida específica, comente aqui embaixo, que não só eu, mas outras pessoas poderão ajudar!

Leia mais textos sobre aplicação prática da disciplina positiva aqui.

Veja também meus vídeos aqui — e, claro, assine meu canal do YouTube!

Thiago Queiroz

Thiago Queiroz

Psicanalista, pai de quatro filhos, escritor, palestrante, educador parental, host dos podcasts Tricô e Pausa pra Sentir (dentre outros), autor dos livros "Queridos Adultos", "Abrace seu Filho", "A Armadura de Bertô" e "Cartinhas para meu pai", participou também do documentário internacional "Dads".

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Comentários

8 comentários em “Recompensas São Inúteis? Sim ou Com Certeza?”

  1. Flávia Alexandrino

    Olá Thiago. Sobre a disciplina positiva. A partir de que idade/fase ela pra de ser aplicada? Tenho um bebê de dez meses. Mas ele já mostra a personalidade forte. Como fazemos com nossos bebês? Eles ainda não tem a compreensão do sim e do não, só certo e do errado e querem fazer coisas que são arriscadas (tomadas por exemplo, ou pegar objetos inadequados como canetas, devido á ponta…enfim). Como lidar com os bebês nesse contexto? Falar não pode ou nanão quase todo o tempo…é o que mais fazemos e me questiono em como seria a melhor forma sem precisar negar tanto, sem dizer tanto não, nanão ou não pode. Ou o não tem que prevalecer mesmo? Me sinto perdida nesses aspectos.

  2. Juliane Gering

    Parabéns pelo texto! Como estudante de psicologia, queria contribuir um pouco com o tema. Muito provavelmente, a psicóloga que “receitou” o método das recompensas é da área cognitivo-comportamental. É uma abordagem interessante para várias coisas, mas peca por ser muito rasa, e não levar em conta as demandas de cada etapa de desenvolvimento. No caso de crianças, a desobediência não tem por objetivo atingir ou confrontar os pais, tem mais a ver com curiosidade, expansão dos limites (do que pode ou não fazer). Ou ainda é uma forma de sinalizar que está sofrendo com algo que ela é incapaz de explicar, pq não possui o mesmo repertório de vocabulário de um adulto. No caso do adolescente, ele tem uma tarefa gigantesca: conquistar a própria individualidade e identidade. Para isso, ele precisa se “descolar” o máximo possível das figuras dos pais. Nesse caso, a desobediência tem a ver com uma tentativa do adolescente de estabelecer limites na influência que os pais têm sobre si mesmo, pois é na oposição que ele consegue fortalecer seu próprio “eu”. Utilizar recompensas para impedir o adolescente de se opôr, de discordar dos pais apenas tamponará um processo que precisa acontecer, para que ele complete esta etapa com a autonomia de um adulto.

  3. Ana Clara Fonseca

    Thiago, como sempre seus textos me ajudam mais a entender a mim mesmo e repensar minhas atitudes para o futuro. Essa história do wifime.lembrou muito uma história da minha adolescência. Minha irmã e eu odiavamos lavar louça (eu odeio até hj), acredito que por toda agressividade e falta de compreensão e justiça que rolava em relação a isso em casa. Uma vez meu pai escondeu o adaptador da tomada do computador e disse que só devolveria a noite, se nós tivessemos cuidado da louça, sem brigas. No dia seguinte, nós juntamos nossas moedas, compramos um adaptador e “resolvemos nosso problema” e o único motivo pelo qual arrumavamos a louça era medo de apanhar. Apredi muito, não? Meu pai não sabe disso até hj e eu tenho esse adaptador guardado, quase que como um símbolo de liberdade e revanche.

    1. Ana, querida, me sinto muito tocado com o seu comentário, principalmente por saber que ele provocou você uma viagem à sua infância. E o que vocês viveram é justamente o mesmo padrão que se repete hoje, na história do Wi-Fi. Fico muito feliz que você tenha conseguido quebrar esse ciclo!

  4. Concordo com as questões “disciplina positiva” e os contexto. Discordo um pouco da inutilidade. Mais uma vez aqui entra o contexto. É bem provável que vc tenha lido “O poder do hábito” que explica e exemplifica como se formam os hábitos acho que dependendo do contexto o sistema de recompensa tem utilidade. Outro ponto ficou ‘errado’ em si foi o sistema de pontuação desfavorável, realmente muita “guerra” para chegar, e o acompanhamento é quase que improvável. Para sentimentos e coisas do tipo, no meio “modo de ver” a base são os princípios. Eu acredito bastante no “criar valor” como forma de receber algo em troca. E os incentivos precisam ser moderados, no entanto, bem usados geram sensações de pequenas vitórias e norteiam a formação de uma hábito, mas “mais uma vez” não se aplica a todas as situações ou todas as “cognição/habilidades/capacidades” que seu filho precisa adquirir. Valeu pelo post!

  5. Eduardo Szpak Gaievski

    Acredito que essa é a primeira vez que discordamos. E isso é bom. rs Ainda vejo qualquer atitude ou ação como um hábito e hábitos são: gatilho – rotina – recompensa. Qualquer atitude está baseada nesse ciclo, seja escovar os dentes, seja dizer um muito obrigado ao receber o troco. Vi alguém dizendo que essa é a base para a criação da Corrupção, é verdade, pode ser e pode não ser. Fazemos algo sempre em troca, nosso cérebro funciona assim para criar rotinas e evitar sobrecarga de decisões. Agora, o interessante é percebermos que a própria disciplina positiva é uma recompensa, assim como quando alguém sorri ao ver sua ação, isso reforça a ação. Novamente é o gatilho – rotina – recompensa. 🙂

    http://www.secjaucob.org.br/download/arquivos/16042014131829.pdf

    1. Oi, querido! Ah, que bom mesmo que discordamos às vezes, afinal, o mundo seria muito chato se todos sempre concordassem entre sim 😛

      Mas olha, talvez a gente não discorde tanto aqui, sabia? Eu concordo com você e, na verdade, o que você explicou, que é embasado pelos estudos mais recentes da neurociência, é justamente o que explica o motivo pelo qual as recompensas e métodos semelhantes de condicionamento comportamental funcionam a curto prazo.

      A questão que eu quis levantar no texto, porém, é outra. Estamos falando de motivação. Até que ponto vale a pena utilizar disso, para meramente obter um comportamento desejado dos nossos filhos? Até que ponto não seria mais duradouro construir os valores intrínsecos junto dos nossos filhos?

      Abraços!

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