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A Dura Tarefa de Dividir Brinquedos

"Às vezes, exigimos mais de nossos filhos do que eles podem oferecer, em termos de desenvolvimento. Isso acontece quando se trata de bebês dividindo brinquedos. Será que nós queremos tanto que nossos filhos aprendam a dividir, ou estamos constrangidos em ter um bebê não dividindo brinquedos na praça?"

Dividir brinquedos, ou qualquer outro objeto é uma tarefa nada fácil. Uma das mais difíceis, talvez. Eu estava escrevendo inicialmente sobre esse assunto para o meu post O Curioso Protocolo Social dos Bebês – 3 Regras Sem Sentido, que foi publicado há pouco tempo, mas logo eu percebi que esse assunto merecia um post só para ele, para que eu pudesse escrever sobre o que eu tenho pensado sobre a dura tarefa de dividir brinquedos.

Isto é algo que todos nós vivemos de alguma maneira, seja como a criança que empresta, como a criança que recebe o brinquedo emprestado. E mesmo que você não tenha recordação disso, com certeza, você já viu isto acontecer por aí, em parques, no metrô, na praia, no ônibus, em qualquer lugar: uma criança é obrigada a emprestar um brinquedo, mesmo quando ela indica que não deseja fazê-lo. E caso ela resista à coerção verbal, então provavelmente terá o brinquedo retirado de suas mãos pelo adulto responsável, independente de quanto ela proteste ou chore.

Eu tenho noção de que este assunto é bastante polêmico, por isso que resolvi escrever para mostrar o que eu penso sobre ele. E então, poderemos iniciar aqui uma reflexão bem bacana. Fique à vontade para comentar e compartilhar os seus entendimentos também!

Vamos pensar com calma sobre o conceito de compartilhar objetos: nós compartilhamos algo quando decidimos considerar a necessidade de outra pessoa em ter aquilo que possuímos, independente de quão forte nós desejemos ficar com aquele objeto, por pura compaixão. É o mais puro sentimento de “dar de coração“, pois estamos levando mais em conta as necessidades do outro, em relação às nossas próprias necessidades.

Claro que nem sempre compartilhar algo para nós, adultos, signifique isso. Às vezes, nós dividimos algo com a intenção de ganhar outra coisa em troca, seja um benefício na relação ou outro objeto, mas não quero entrar nesse mérito. Quero me ater ao significado puro de compartilhar, que imagino ser o sentimento que desejamos incentivar para os nossos filhos.

Então, vamos agora expandir esse pensamento para uma criança de 2 anos. Será que realmente deveríamos esperar deles, e do desenvolvimento que eles possuem, um entendimento como esse? Seria razoável imaginar que um bebê consiga deixar de lado as suas necessidades em nome das necessidades de outro bebê? A resposta você já deve imaginar: não. Um conceito tão complexo como esse não começa a ser entendido pela criança pelo menos até os 3 anos, então por que obrigamos nossos filhos a dividir brinquedos na pracinha, por exemplo? Quantas vezes você já ouviu a frase:

– Não, não, tem que dividir. Vai, dá para o amiguinho.

Realmente, às vezes, nós exigimos mais de nossos filhos do que eles podem oferecer, em termos de desenvolvimento. Por isso que sempre tento fazer esse tipo de pergunta a mim mesmo, para saber se não estou sendo exigente demais: nós queremos tanto que nossos filhos aprendam a dividir, ou só estamos constrangidos em ter um bebê que não divide seus brinquedos na pracinha?

Imagino que se todos nós, adultos, fôssemos mais respeitosos e compreensivos com crianças, de uma maneira geral, acabaria esse medo de ficar constrangido na frente de outros adultos por causa de nossos próprios filhos. Muitas pessoas se constrangem porque sabem (e se importam) que outros adultos esperam que sejam tomadas atitudes em relação ao comportamento de todas as crianças. O padrão é exigir intervenção, e não deixar as crianças serem crianças.

Por outro lado, eu fico muito constrangido quando um pai ou mãe obriga seu filho a dividir um brinquedo com o Dante na pracinha, principalmente porque eu sempre tento desconversar, dizendo que aquilo é normal, que o Dante pode brincar com outra coisa, mas normalmente a resposta é essa:

-Liga não, ela tem que aprender a dividir. Ela é muito egoísta.

Puxa vida, a criança já tem o brinquedo tomado da sua mão, chora sem nenhum tipo de consolo ou acolhimento, e ainda tem que ouvir seu pai ou mãe a chamando de “egoísta”? A vida na pracinha pode ser muito dura mesmo, ainda mais quando o valentão da pracinha é seu próprio pai ou mãe. Precisamos estar conscientes do poder no nosso discurso, e ter noção de que a percepção do que nossos filhos têm de si mesmos, em boa parte, é um reflexo do que pensamos sobre eles. Laura Gutman em seu último livro, de título “O Poder do Discurso Materno”, descreve:

O fato é que desde o início alguém nomeia como somos, o que nos acontece ou o que desejamos. Isso que o adulto nomeia (geralmente a mãe) costuma ser uma projeção de si mesmo sobre cada filho. – Laura Gutman

O poder da fala da mãe (e do pai) é gigantesco, seja para o bem ou para o mal, mas não quero mudar muito o foco dessa conversa, então vou deixar esse assunto para um post no futuro. O que eu quero dizer é que, do ponto de vista da criança, essa é uma situação onde ela sempre perde. Na vida adulta, sempre buscamos situações de ganha-ganha, onde o resultado é satisfatório para todos os envolvidos. Com nossos filhos, no entanto, a situação deles é sempre de perde-perde. Sempre.

Mas como assim, essa é uma situação em que a criança sempre perde? Bem, imagine que se o seu filho tem algo que outra criança quer, ele é obrigada a emprestar. Em outras palavras, ele perde nessa situação porque precisa abrir mão do seu brinquedo, mesmo não querendo. Por outro lado, se o seu filho quer algo de outra criança, ele é obrigado a esperar. Você não pode simplesmente tomar o brinquedo da mão da outra criança para entregá-lo ao seu filho, que perde também nessa situação. Ou seja, eles precisam dividir brinquedos com outras crianças, mas não podem esperar o mesmo delas?

E é aí que esse protocolo se mostra mais incoerente para mim, porque demonstra claramente o que a sociedade espera de bebês e crianças: obediência cega.

Dante nunca foi obrigado a emprestar um brinquedo para nenhuma outra criança, mas isso não significa que ele nunca tenha emprestado um brinquedo. Com muita felicidade, já pudemos testemunhar momentos em que o Dante, percebendo que uma criança está chorando pelo brinquedo que ele tem, diz:

– Tisti, tisti! (“triste”, em Dantenês)

E entrega o brinquedo, por vontade própria, por vontade de ajudar alguém que está triste. Mas isso não significa também que ele, aos seus 1 ano e 9 meses, seja um mestre na arte de compartilhar brinquedos. Claro que não, ele nem tem maturidade cerebral para entender isso. Ele raramente empresta um brinquedo, mas vejo isso como um caminho, uma evolução.

Há alguns meses atrás, ele não emprestava absolutamente nada, a não ser que já tivesse perdido o interesse pelo brinquedo, mas hoje em dia, vez ou outra, ele empresta um brinquedo ao ver a outra criança. Ou empresta quando nós lembramos a ele que a outra criança quer muito brincar com aquele brinquedo, só um pouquinho. Mas, ainda assim, isso ocorre em último caso, porque tentamos não intervir muito na interação entre bebês, já que achamos importante deixá-los se resolverem um pouco, e desde que isso não parta para um conflito violento, obviamente.

É isso que nós devemos buscar, ou seja, que podemos compartilhar nossos pertences com a finalidade de deixar o outro mais feliz, e não um sentido de que a criança precisa compartilhar pensando nas punições que ela pode receber por não compartilhar.

Thiago Queiroz

Thiago Queiroz

Psicanalista, pai de quatro filhos, escritor, palestrante, educador parental, host dos podcasts Tricô e Pausa pra Sentir (dentre outros), autor dos livros "Queridos Adultos", "Abrace seu Filho", "A Armadura de Bertô" e "Cartinhas para meu pai", participou também do documentário internacional "Dads".

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Comentários

22 comentários em “A Dura Tarefa de Dividir Brinquedos”

  1. Fabiana Marcelino

    sensacional mesmo! tinha lido um texto com a seguinte comparação: alguém q vc nao conhece senta-se ao seu lado na pracinha e pega seu celular para ligar, não é seu “amiguinho”, vc nao quer dividir, vc nem sabe o q ele vai fazer com seu “brinquedinho”. é realmente para agradar outros adultos q a gente toma uma postura dessas, de obrigar a dividir, com nosso filhos. Valeu, Thiago! sempre ótimas reflexões!!

  2. Luciano Gamba da Silva

    Parabéns Thiago pela abordagem, pois em várias situações não respeitamos a vontade de nossos filhos simplesmente por não pensamos que estamos desrespeitando-o como ser humano. Ontem ao colocar o pijama em minha filha após o banho, ela reclamou e apontou para outra roupa na gaveta. Simplesmente fiquei feliz que ela expressou sua vontade e ela pode dormir tranquilamente, sem uma sessão de choro desnecessária porque a vontade do pai (ou mãe) é soberana. Ver o filho como um ser humano faz toda a diferença para o desenvolvimento da família como um todo.

  3. Realmente, este é um assunto um tanto quanto polêmico. A maior pressão que vejo aqui, é entre os pais, que não querem ser julgados e não se dão conta do que acabam forçando seus filhos a fazer e como os fazem se sentir. Nossos filhos são o que projetamos neles!

  4. Acho que nós, mães e pais, devemos nos ater a entender o que nossos pequenos são capazes de entender em determinada idade. Com dois anos, não se deve exigir o entendimento do que é altruísmo. Por isso, exigir que o bebê divida seu brinquedo, é um erro. Mas eles entendem o que é diversão. Que tal sugerir uma brincadeira em conjunto ? Isso poderia ser uma situação de duplo ganho. Agora, quando a criança fica mais velha, acho que se deve ensinar a dividir o brinquedo sim. Mas tudo na base da conversa, sem rotular a criança de egoísta. Traquejo social é algo que deve ser ensinado, tanto via aconselhamento, quanto por dar o exemplo. Crianças que nunca são contrariadas, mimadas, são excluídas pelos coleguinhas e isso não é benéfico para a criança. Devemos ensinar nossos filhos a lidar com a frustração para que eles não cresçam imaturos e despreparados para a vida.

  5. Roseli Oliveira e Silva

    Em primeiro lugar, grata pela reflexão e compartilhamento.
    Lá em casa a vida é dura neste quesito viu, mas vemos sempre, com muita desconfiança, qualquer tipo de atitude no sentido de forçar as crianças a qualquer coisa que se relacione à sua convivência social com as outras. Entendo sim, que nos vemos na obrigação de passar valores que achamos importantes para nossos filhos, mas sempre reflito em como fazer isto, sem importuná-los com nossas certezas prontas vindas sei lá de onde.
    Com nosso Arthur (2a11m) é mais ou menos assim: se ele quer algo emprestado, ensinamos a pedir ou a trocar, o que nem sempre dá muito certo, mas, com as devidas proporções, tentamos a partir dai não interferir em suas relações sociais. Chamamos a atenção quando ele toma bruscamente o brinquedo da mão de outra criança, ou usa de violência para afastar a criança do brinquedo dele. Até hoje deu certo, já que, quando a outra criança não quer dividir, tentamos, da forma mais tranquila possível, chamar a atenção dele para outra coisa ou brincadeira.

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