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Cama Compartilhada NÃO é Fator de Risco para Morte Súbita

"Cama compartilhada NÃO é fator de risco para morte súbita. Volta e meia, aparece um estudo que causa terror entre as famílias. Estudos que comentam sobre um dos maiores temores de nós, pais: a síndrome da morte súbita infantil. E volta e meia, esses estudos propagam um medo infundado ao redor da cama compartilhada. Isso aconteceu novamente em 14/07/2014."

Antes de começar a escrever, queria repetir o título deste post: cama compartilhada NÃO é fator de risco para morte súbita.

Volta e meia, aparece um estudo que causa terror entre as famílias. Estudos que comentam sobre um dos maiores temores de nós, pais: a síndrome da morte súbita infantil. E volta e meia, esses estudos propagam um medo infundado ao redor da cama compartilhada. Isso aconteceu novamente em 14/07/2014.

Algumas pessoas já comentaram comigo sobre um estudo que foi publicado nessa semana e eu já sabia da existência dele, mas ainda não tinha lido o artigo. Só que mais e mais pessoas começaram a comentar por ele, então vi que precisava lê-lo urgentemente.

Trata-se de um estudo publicado pela American Academy of Pediatrics, na revista Pediatrics, em 14/07/14. Os autores são Jeffrey D. Colvin, Vicki Collie-Akers, Christy Schunn e Rachel Y. Moon, e o título do trabalho é “Sleep Environment Risks for Younger and Older Infants“, ou algo como “Riscos do Ambiente de Sono para Bebês Mais Novos e Mais Velhos”.

A primeira impressão que se tem de um título desses é que ele é inocente, uma vez que tenta só avaliar os riscos associados APENAS ao ambiente. Porém, é um estudo que tenta comprovar, por meios tortuosos, que a cama compartilhada aumenta o risco da síndrome de morte súbita infantil. Claro, estudos como esse têm um potencial gigante de comoção e causam terror entre pais que não têm acesso a evidências científicas geradas criteriosamente.

Acontece que esse estudo fez um levantamento dos óbitos de bebês entre 2004 e 2012, em 21 estados nos EUA. Deste levantamento, eles classificaram os óbitos em diferentes categorias, dentre elas:

  • Idade do bebê: de 0 a 3 meses e de 4 meses a 1 ano.
  • Sexo do bebê.
  • Etnia do bebê.
  • Ambiente onde o bebê dormia: isso considera posição (barriga para cima, de lado, e outras) e local (cama compartilhada, berço, carrinho, e outros).

A partir daí, os autores encontraram que, de todos os registros de óbito avaliados, as seguintes proporções de morte súbita estavam envolvidas na prática de cama compartilhada:

  • 69,2% no total de bebês.
  • 73,8% para bebês entre 0 e 3 meses.
  • 58,9% para bebês entre 4 e 12 meses.

Assustador? Com certeza. O mundo está cheio de exemplos de estudos mau conduzidos com o único propósito de disseminar o pânico. Este é um deles.

E sabe qual é o problema?

O problema é que, dentre as variáveis controladas pelos autores do estudo, as mais importantes que dizem respeito à prática SEGURA de cama compartilhada não foram consideradas. É aí que o estudo falha miseravelmente, pois a prática SEGURA de cama compartilhada já foi comprovada em diversos estudos anteriores (veja os links no final deste texto) como apresentando um risco de morte súbita MENOR do que bebês deixados dormindo sozinhos em seus berços.

Algumas das variáveis mais importantes que foram “esquecidas” de serem controladas:

  • Amamentação. Quais bebês eram amamentados? É sabido que mães que amamentam dormem em um estado de maior alerta, por causa dos hormônios da lactação. Além disso, o bebê amamentado tem um sono mais leve, o que faz com que ele acorde mais vezes, reduzindo o risco de morte súbita.
  • Tabagismo. Dos bebês que faleceram, quais tinham pais que fumavam? Os fumos e toxinas do cigarro são fatores que influenciam grandemente no risco de morte súbita.

Este são apenas os principais pontos, mas a lista é extensa: obesidade mórbida dos pais, usuários de álcool ou drogas, e por aí vai. Um estudo sério deveria considerar fortemente as orientações de segurança que são praticadas mundialmente, para conseguir avaliar com precisão os riscos de síndrome de morte súbita infantil associados à prática SEGURA de cama compartilhada.

Estas orientações podem ser encontradas em outro post meu, em Orientações de Segurança Para Cama Compartilhada. Afinal de contas, qual é o propósito de se fazer um estudo para quantificar o risco de morte súbita, se você considera todos os casos em que houve prática INSEGURA de cama compartilhada? Qual a finalidade disso?

Por outro lado, existe uma massa considerável de estudos sérios em que variáveis como estas são consideradas. E estes estudos mostram que a prática SEGURA do sono compartilhado, que inclui a cama compartilhada, pode ter um risco até 50% menor do que um bebê que dorme sozinho em seu berço.

Só que dados como esses não são interessantes. Dados como esses não vendem berços. Dados como esse não vendem todos os acessórios “de segurança” possíveis e imagináveis quando se deixa o bebê sozinho em um berço. Afinal, quem precisa disso quando dorme com seu bebê (de forma segura) na sua própria cama?

Então, para que fique bem claro: o estudo NÃO prova que cama compartilhada É insegura, tudo que faz é contribuir para esse dogma e fazendo com que pais que praticam cama compartilhada não procurem informações de como fazê-la de maneira segura e, então, indiretamente, estudos como esses AUMENTAM o risco de mortes por práticas inseguras de cama compartilhada.

A minha intenção com esse post é dizer que estudos imprecisos como esse já foram publicados antes, e continuarão sendo publicados. Uma indústria inteira de artigos para bebês necessita disso para sobreviver. Mas o que você precisa saber é que já existem muitos outros estudos (sérios) que mostram o contrário, e mais uma série de outras pessoas (sérias) que já rebateram e destrincharam estes estudos imprecisos em seus próprios blogs.

Se você soube deste estudo do dia 14/07/2014, fique tranquilo. Mas se você ainda duvidar de mim, pode acessar todas essas referências que eu separei cuidadosamente no final do post, para você tirar suas próprias conclusões.

E para finalizar, gostaria de fazer um agradecimento especial à Andreia Mortensen, por estar sempre disponível para ajudar!

Sobre o estudo que aponta a cama compartilhada como fator de risco

  • Release do estudo da American Academy of Pediatrics de 14/07/2014 “Sleep Environment Risks for Younger and Older Infants”: link.
  • Texto na íntegra do estudo da American Academy of Pediatrics de 14/07/2014 “Sleep Environment Risks for Younger and Older Infants”: link.

Comentários desqualificando o estudo

  • Comentários de Dr. Jay Gordon: link.
  • Comentários da Dra. Tracy Cassels: link.

Textos embasados cientificamente sobre a prática segura de cama compartilhada

  • Cama compartilhada: proteção, amor e saúde que beneficiam mães, bebês e famílias – Cientista Que Virou Mãe: link.
  • Cama compartilhada: por que é bom e seguro?  – Cientista Que Virou Mãe: link.
  • Bedsharing and SIDS: The Whole Truth – Evolutionary Parenting: link.
  • The Do’s and Don’ts of Co-Sleeping – Evolutionary Parenting: link.
  • Bed-Sharing and Co-Sleeping: Research Overview – Evolutionary Parenting: link.

Estudos sérios já publicados sobre cama compartilhada

  • Blabey, M.H., & Gessner, B.D. (2009). Infant bed-sharing practices and associated risk factors among births and infant deaths in Alaska. Public Health Reports, 124,527 -534.
  • Ford RPK, Taylor BJ, Mitchell EA, et al. Breastfeeding and the risk of sudden infant death syndrome. Int J Epidemiol. 1993;22:885- 890
  • Horne RS, Parslow PM, Ferens D, Watts AM, Adamson TM. Comparison of evoked arousability in breast and formula fed infants. Arch Dis Child. 2004;89(1):22-25
  • Horta BL, Bahl R, Martinés JC, et al. Evidence onthe long-term effects of breastfeeding: systematicreview and meta-analyses. Geneva: World Health Organization; 2007:1-57.
  • Ip S, Chung M, Raman G, et al. Breastfeeding and maternal and infant health outcomes in developed countries. Evid Rep Technol Assess (FullRep). 2007;153:1-186.
  • Martin RM, Gunnell D, Smith GD. Breastfeeding in infancy and blood pressure in later life: systematic review and meta-analysis. Am JEpidemiol. 2005;161:15-26.
  • McVea KL, Turner PD, Peppler DK. The role of breastfeeding in sudden infant death syndrome. J Hum Lact. 2000;16:13-20
  • Mitchell EA, Taylor BJ, Ford RPK, et al. Four modifiable and other major risk factors for cot death: the New Zealand study. J Paediatr Child Health. 1992;28(suppl 1):S3-S8
  • Mosko S, Richard C, McKenna J. Infant arousals during mother-infant bed sharing: implications for infant sleep and sudden infant death syndrome research. Pediatrics. 1997;100:841- 849
  • Owen CG, Whincup PH, Gilg JA, et al. Effect of breast feeding in infancy on blood pressure in later life: systematic review and meta-analysis.BMJ. 2003;327:1189-1195.
  • Owen CG, Whincup PH, Odoki K, Gilg JA, Cook DG. Infant feeding and blood cholesterol: a study in adolescents and a systematic review. Pediatrics. 2002;110:597- 608
  • Scragg LK, Mitchell EA, Tonkin SL, Hassall IB. Evaluation of the cot death prevention programme in South Auckland. N Z Med J. 1993;106: 8 -10
Thiago Queiroz

Thiago Queiroz

Psicanalista, pai de quatro filhos, escritor, palestrante, educador parental, host dos podcasts Tricô e Pausa pra Sentir (dentre outros), autor dos livros "Queridos Adultos", "Abrace seu Filho", "A Armadura de Bertô" e "Cartinhas para meu pai", participou também do documentário internacional "Dads".

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Comentários

11 comentários em “Cama Compartilhada NÃO é Fator de Risco para Morte Súbita”

  1. Rafaela Miranda

    Primeiramente queria parabenizar poe esse trabalho de conscientização sobre cama compartilhada. E segundo, queria agradece. Li todas as postagens sobre o assunto e isso tirou um certo peso das minhas costas. Minha filha tem 18 meses e comecei com a pratica do sono compartilhado (berço no quarto do casal), mas com a exaustão, a minha pequena sempre acabava dormindo nos meu braços e eu sentada. Passei então à prática da cama compartilhada (nem sabia que isso tinha nome). Recebi muitas criticas, passei a coloca-la no berço. Eu como meu marido acordávamos muito a noite.. Cada mexida e som diferente dela, era um pulo na nossa cama. Resultado: ela voltou pra a nossa cama. Tinha um pouco de vergonha e receio de falar para as pessoas isso, afinal, criticas negativas são o que não faltam para esse tipo de pratica. Mas lendo suas postagens, me sinto mais segura até em aconselhar esse tipo de prática.

    1. Oi, Rafaela.

      Fico muito feliz em saber que o meu texto ajudou a tirar um peso das suas costas. Na realidade, ninguém tem que meter o dedo no arranjo de sono da família de ninguém, não é mesmo? Se a CC funciona para você e sua família, então é isso que basta!

  2. Eu adoro quando minha pequena, agora com 4 meses deita comigo, tiro sempre o cochilo da tarde com ela na minha cama.. Ela acorda, mama e volta a dormir mais um pouco mas ainda não achei uma posição confortável e geralmente acordo com dor ou caimbra no braço.. Poderia me dar dicas de como vc faz? Parabéns pelo paizão que vc é!!!!

    1. Tatiana, obrigado pelo comentário. Você pode tentar outras posições mais confortáveis para você, não tem muita regra. Mesmo quando ela mamar, você pode voltar à sua posição confortável depois da mamada!

  3. Luísa / mamaesustentavel.com.br

    Pois é, o lado da cama que ela fica acaba sendo o do peito que terminou de mamar. Então às vezes fica no centro, atrapalhando um pouco o sono do pai. De manhã cedo, é sempre um dilema se levantamos antes, porque não quero acordá-la ao mudar para o berço, nem deixá-la sozinha. Em função disso muitas vezes colocamos travesseiros e almofadas em sua volta e ficamos por perto.

    Minha dúvida é como acomodar confortavelmente a cabeça do bebê na cama compartilhada. Está acostumada a dormir sem travesseiro ou sobre o travesseiro anti-refluxo (quando no berço). Muitas vezes dorme sobre o meu braço, mas acaba subindo para nossos travesseiros. Algum conselho?

    1. Oi, Luísa!

      Lá em casa é bem assim também. Durante muito tempo, ele dormiu entre eu e minha esposa, mas ultimamente ele tem alternado mais. De todo modo, quando eu levanto, sempre faço uma barricada de travesseiros.

      E sobre acomodar a cabeça do bebê, nós nunca usamos nada para ele. Sempre dormiu sem travesseiro ou qualquer outro apoio, principalmente devido ao risco de sufocamento.

  4. Estatísticas sempre me deixam preocupada, uma vez na faculdade o professor de estatística nos contou uma “historinha” onde: se há duas pessoas, um frango assado e uma das pessoas come o frango todo, estatisticamente, cada pessoa comeu meio frango 🙂
    Nesse caso eu acho que este estudo científico poderia primeiro buscar um total de crianças que dormiam em cama compartilhada e DEPOIS ver a taxa de mortalidade, DEPOIS ver os fatores de risco e POR ULTIMO dizer o que realmente eles se propuseram a estudar…. Pegar o total de crianças mortas e ver quais dormiam em camas compartilhadas, na minha visão, invalida a “estatística” do estudo.

  5. Thiago, primeiro parabens pela iniciativa em alertar as pessoas sobre esse mito que eh “cama compartilhada eh a maior causadora de morte subita”. Esses estudos bancados por toda uma industria nao levam em consideracao todas as variaveis. E a carteirada do doutor acima soh confirma essa realidade corporativista.

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