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Cantinho da Calma – A Versão da Disciplina Positiva para o Cantinho do Pensamento

"Entenda como fazer o cantinho da calma (ou relaxamento) da disciplina positiva com o seu filho, e conheça as 10 principais diferenças entre ele e o cantinho do pensamento. Um texto cheio de dicas e reflexões para os momentos mais desafiadores da educação dos nossos filhos!"

O cantinho do pensamento é algo que todo mundo conhece, mas poucos conhecem o cantinho da calma. Na disciplina autoritária e punitiva, o cantinho do pensamento é uma ferramenta amplamente utilizada, como forma de castigar as crianças, e muitas pessoas acreditam que o castigo é a forma mais eficaz de educar crianças.

Por isso, escrevi, há um tempo atrás, um dos textos mais lidos do site: Cantinho do Pensamento: Por Que É Uma Porcaria?  Nesse texto, eu explico todas as razões pelas quais o cantinho do pensamento não é a ferramenta mais eficaz para educar uma criança, então se você ainda não o leu, sugiro muito que você o leia!

Apontar os problemas de uma ferramenta é uma coisa. Apresentar alternativas é outra. E, mesmo que eu tenha alguns textos aqui no site falando sobre as alternativas para o castigo,  como esse aqui e esse também, hoje eu quero falar sobre uma outra ferramenta que pode substituir o cantinho do pensamento.

Na disciplina positiva, utilizamos o cantinho da calma — ou cantinho do relaxamento — e, por mais que pareça a mesma coisa que o cantinho do pensamento, tem diferenças fundamentais que eu vou explicar ao longo do texto.

Como funciona

O primeiro passo é entender que esse é um espaço construído com a criança, então o seu filho irá participar ativamente das decisões sobre o cantinho da calma, como a localização e a decoração. Ajude o seu filho a encontrar um lugar que ele goste na casa, mas que também seja confortável e calmo. Lá em casa, escolhemos um lugar que fica entre a cama dos meus filhos e o armário de roupas — no final desse texto tem uma foto para você visualizar melhor.

Agora começa a parte divertida: a decoração. Pergunte para a criança o que ela gostaria de fazer para fazer aquele lugar ficar com a cara dela, do jeito dela. Vocês podem pintar, colar adesivos, desenhar, ou qualquer outra coisa que o seu filho queira fazer para enfeitar o lugar. No nosso caso, como os meninos estavam numa fase que adoravam o desenho Naruto, colocamos alguns quadrinhos na parede e umas almofadas coloridas no chão.

Pronto, temos um cantinho da calma! Agora, a criança pode ir para o cantinho dela sempre que precisar.

Mas quais são as diferenças? Se isso está cheirando a cantinho do pensamento para você, calma! Separei para você as dez principais diferenças!

1- a nossa motivação

A primeira grande diferença está na nossa motivação. Ao contrário do cantinho do pensamento, onde a nossa intenção é fazer com que os nossos filhos se sintam mal pelo que fizeram, no cantinho da calma, nós queremos que eles se sintam bem, apesar do que fizeram.

Ou seja, eu não quero que o meu filho sofra por causa de algo que ele tenha feito. Eu quero que ele vá para um lugar para se sentir melhor para, então, conversarmos sobre o que aconteceu.

2- você sugere, mas não manda para lá

Na disciplina punitiva, você manda o seu filho para o cantinho do pensamento, e isso é muito diferente do que acontece na disciplina positiva. Aqui, você pode sugerir ao seu filho que ele vá para o cantinho da calma, como uma forma de se acalmar ou controlar.

— Filho, eu sei que você está muito bravo e nervoso, mas não podemos bater. Olha, acho que você precisa ir para o seu cantinho do Naruto para respirar um pouco e se acalmar, que tal?

3- a mensagem que a criança recebe

Quando a criança é colocada de castigo, ela recebe uma mensagem diferente por causa do afastamento forçado. A mensagem é que só querem ela por perto quando ela atinge as expectativas dos pais, ou seja, quando é “bem comportada”, como se disséssemos a ela:

— Eu só quero ter você por perto quando você atende as minhas condições.

Isso atribui condições ao amor que temos pelos nossos filhos, e nossos filhos começam a entender que o nosso amor só acontece quando eles atendem às nossas expectativas.

No cantinho da calma, a mensagem que a criança recebe é diferente, porque nós não mandamos a criança para longe. Nós reconhecemos a dificuldade da criança e perguntamos se ela não quer se acalmar um pouco, como se disséssemos:

— Eu quero que você fique bem porque eu amo você, mesmo fazendo algo errado.

4- você pode precisar também (ou ir junto)

Já que o cantinho da calma é um lugar para retomarmos o controle sobre nós mesmos e esfriarmos a cabeça, às vezes nós precisamos também desse espaço. Reconhecer que também precisamos disso é importante para os nossos filhos entenderem a nossa humanidade e os nossos limites.

Para isso, você pode escolher o seu próprio cantinho da calma, ou ficar alguns instantes sozinho no banheiro, ou no seu quarto. Mas antes disso, é importante informar isso ao seu filho:

— Filho, eu estou muito bravo agora e não consigo falar com você. Vou me acalmar um pouco no banheiro.

Em outros momentos, como alguns pais já me relataram, é possível até ir junto com a criança para o cantinho da calma, se todo mundo estiver com a cabeça quente. Isso não só funciona perfeitamente bem, como dá um modelo para a criança de que os pais também podem perder o controle e errar, porque isso é algo normal que pode acontecer com qualquer ser humano.

5- a criança pode “escolher” não ir

Quando eu disse que, no cantinho da calma, nós sugerimos ao invés de mandá-los para o cantinho, talvez um medo paralisante tenha percorrido o seu corpo:

— Mas… e se o meu filho não quiser?

Pois é, existe essa possibilidade. E a sua reação a um “não” do seu filho é a principal forma de saber se você queria mesmo ajudá-lo ou só deixá-lo de castigo, longe de você.

Se nós oferecermos um local para a criança se acalmar e ela recusa, tudo bem. Então talvez seja uma boa oportunidade para conversar com ela sobre o que ela fez, ou, se ela ainda estiver fora de controle, realizar algum exercício para trazer a calma de volta, como respirar junto ou abraçar.

Porém, se você ficar muito irritado com o “não” que receber, então é provável que você quisesse mesmo era deixar seu filho de castigo e existe uma chance de que, quando você falou para ele sobre o cantinho da calma, a sua fala saiu mais como uma ordem do que uma sugestão.

Nesses casos, é sempre bom lembrar que estamos fazendo tudo isso para ajudar os nossos filhos a se sentirem melhores, não piores.

6- ensinamos ferramentas valiosas às crianças

Quando mudamos o foco da punição para o relaxamento, ajudamos os nossos filhos a aprender e praticar duas ferramentas importantes. A primeira é a da auto consciência, pois praticamos constantemente com os nossos filhos para que eles percebam o que está acontecendo dentro deles, ou seja, que eles estejam conscientes dos seus sentimentos de tristeza, raiva, frustração e por aí vai. Com o tempo, eles entendem que o cantinho tem um valor importante para que eles consigam ganhar controle novamente sobre si mesmos e passam a buscar esse lugar por conta própria.

A segunda ferramenta que eles aprendem a usar é a do auto respeito, porque no cantinho eles começam a perceber que há momentos em que eles precisam respeitar seus próprios limites e que, às vezes, é necessário que eles se afastem de uma situação para conseguirem se reorganizar internamente.

O Gael, por exemplo, com apenas dois anos, já sabe se afastar em alguns momentos em que está muito bravo. É muito bacana ver como ele já tem a consciência de identificar que está com raiva e que precisa ficar sozinho, e então ele vai para algum cantinho sentar, de braços cruzados e de cara amarrada. Depois de alguns instantes, ele volta mais calmo dizendo que está melhor.

Agora, é claro que tem vezes que ele não vai fazer isso, que ele vai bater o pé, gritar ou chorar. Afinal, ele tem dois anos de idade e ainda precisa da nossa ajuda para regular suas emoções. Mas tudo bem, faz parte do processo de crescimento.

7- não há culpa (nem vergonha) envolvida

Quando uma criança fica de castigo, o processo todo é envolvido pela nossa necessidade de fazermos os nossos filhos sentir-se culpados e, em alguns casos, também queremos que os nossos filhos sintam-se envergonhados. Isso se deve ao fato de que aprendemos, desde sempre, que quem erra precisa sentir vergonha e culpa, mas poucas pessoas percebem que esses sentimentos não trazem resultados positivos. Portanto, na disciplina positiva, mudamos o foco dessa questão, para entender que os erros, na verdade, são oportunidades de aprendizado.

Contudo, ainda é fundamental entender que culpa é diferente de responsabilidade. Se o Dante bate no seu irmão, eu não quero que ele se sinta culpado por machucar o irmão, mas que se sinta responsável pelo que aconteceu. Isso ajuda a criança a desenvolver empatia e senso de responsabilidade.

8- nosso modo de enxergar o mau comportamento

Abandonando o cantinho do pensamento, é inevitável que a nossa visão sobre o mau comportamento mude também. Se nós olharmos o mau comportamento como um problema em si que deve ser resolvido imediatamente, então é bastante justificável que utilizemos o cantinho do pensamento. Por outro lado, se observarmos que o mau comportamento é apenas o que a criança consegue exteriorizar como um pedido de ajuda, então o cantinho da calma passa a fazer mais sentido.

Em outras palavras, o mau comportamento acontece porque existe um sentimento grande demais para a criança lidar, como a frustração, e ela vai colocar isso para fora em forma de mau comportamento. Ou então, o mau comportamento aparece como forma de demonstrar uma necessidade não atendida como, por exemplo, uma necessidade de atenção.

Sendo assim, faz muito mais sentido ajudar os nossos filhos a lidar com esses problemas do que atacar apenas o sintoma do problema.

9- quem define o tempo é a criança

É isso mesmo que você leu: quem define o tempo de duração do cantinho é a criança, não o adulto. Pode esquecer aquela “regra” de 1 minuto por 1 ano de vida, porque o tempo necessário para uma criança se acalmar só ela saberá.

Isso significa que, às vezes, o tempo pode ser bem rápido, ou até mais longo do que você imagina. Por isso, é sempre importante perguntar para a criança:

— Ah, filho, já está mais calmo? Estou vendo que sim! Agora, podemos conversar sobre o que aconteceu.

Porém, se você perceber que a coisa foi rápida demais, você pode dizer isso ao seu filho e sugerir uma extensão, que ele pode aceitar ou não.

— Hmmm, filho, não sei… Você parece ainda muito irritado. Tem certeza que você está mais calmo? Não gostaria de ficar um pouco mais no seu cantinho? Se quiser, posso ir com você para eu me acalmar também.

10- a criança sai de lá melhor do que entrou

Essa é a diferença definitiva e mais importante entre cantinho do pensamento e cantinho da calma. Aqui, nós queremos que os nossos filhos saiam do cantinho melhores do que entraram, ou seja, que saiam mais tranquilos, conscientes e controlados.

No cantinho do pensamento isso não acontece, porque o tempo que a criança fica de castigo, ela vai sentir uma mistura perigosa de emoções que envolvem raiva, injustiça, vingança e ressentimento. Dessa forma, é impossível que elas saiam do castigo melhores do que entraram. E se saem piores, é difícil imaginar que elas tenham aprendido algo de positivo no processo.

Espero que esse texto ajude você a encontrar um pouco mais de serenidade nos desafios diários com os seus filhos! Se você gostou, ajude a espalhar esse texto por aí!


Se você estiver com curiosidade para saber como é o nosso cantinho da calma, é só dar uma olhadinha na foto abaixo. Nela, você vê a decoração que eles escolheram e, no caso, Dante estava tentando meditar para se acalmar, enquanto o Gael comia, porque ele come em todos os lugares.

Thiago Queiroz

Thiago Queiroz

Psicanalista, pai de quatro filhos, escritor, palestrante, educador parental, host dos podcasts Tricô e Pausa pra Sentir (dentre outros), autor dos livros "Queridos Adultos", "Abrace seu Filho", "A Armadura de Bertô" e "Cartinhas para meu pai", participou também do documentário internacional "Dads".

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Comentários

12 comentários em “Cantinho da Calma – A Versão da Disciplina Positiva para o Cantinho do Pensamento”

  1. Oi Thiago. Gosto do princípio mas vejo um problema no seguinte trecho: “… eu não quero que ele se sinta culpado por machucar o irmão, mas que se sinta responsável pelo que aconteceu.”

    Acho fundamental que a criança seja capaz de sentir e expressar toda e qualquer emoção – especialmente as emoções “erradas”, como culpa no lugar de responsabilidade no seu exemplo. Tentar evitar que uma pessoa tenha um sentimento pode, na prática, apenas tirá-lo de vista, e jogá-lo no submundo das emoções sem expressão verbal plena, onde é muito mais difícil trabalhar. Suponho que esse não seja seu objetivo, mas vejo com frequência o uso de atalhos como “não é para sentir culpa, mas responsabilidade”, ou “não é para ficar triste”, ou “não pode ter raiva do seu pai”, e por aí vai. Tudo isso acaba cumprindo a mesma função: deslegitimar a expressão de um sentimento, que por algum critério se julga inadequado.

    Claro que os pais não devem incentivar culpa nas crianças – há frequentemente um grande exagero, uma culpa profunda a ser distribuída por qualquer erro bobo. E por isso concordo que os castigos e o ‘cantinho do pensamento’ são práticas questionáveis, no mais das vezes. Mas entendo também que devemos permitir que elas expressem plenamente qualquer sentimento, mesmo que desagradável como a culpa, mesmo que inadequado ou efetivamente errado dada a situação objetiva que gerou a emoção. É uma etapa incontornável para que a forma de lidar com esse sentimento se desenvolva.

    abs e obrigado pelo texto

    1. Oi Pedro, tudo bem? Concordo com parte do que você comenta, e a ideia por trás do “não quero que ele sinta culpa” é justamente essa de não ser um agente que gera essa culpa nele. Porém, existe uma questão com o sentimento de culpa que é bastante complicada, justamente pelo efeito paralisante que ela tem. Normalmente, qualquer pessoa que se sinta culpado por alguma coisa não vai fazer algo que seja positivo a partir disso. Por isso que sentir-se responsável por algo nos dá mais autonomia para fazer algo a partir de algum problema. De uma maneira mais ampla, eu evito sentir culpa em tudo e gosto de passar esse valor para os meus filhos.

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