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De Quando Dante Nasceu – O Parto Domiciliar Visto Pelo Pai

"Esse é o relato de um pai sobre o parto domiciliar da esposa. É a história de como um parto em casa pode ser um evento tão íntimo e transformador não só para a mãe e o bebê, mas também para o pai."

Dante nasceu de um belíssimo parto domiciliar, em 11/12/2012. Acho que ele já sabia que teria um monte de bebês nascendo no dia 12/12/2012, por cesáreas eletivas, só porque as mães acham a data bonitinha, então decidiu que viria um dia antes, para não ser confundido com a multidão. Se você ainda não leu como chegamos até a decisão de fazer um parto domiciliar planejado, dê uma olhada em O Livro Que Mudou Tudo.

Antes de começar a contar como o parto aconteceu, é importante lembrar que a Anne teve uma gestação saudável e enquadrava-se na categoria de gestantes de baixo risco, fazendo com que ela fosse elegível a um parto domiciliar seguro. Decidimos que o pré-natal seria acompanhado tanto pela parteira como pelo ginecologista obstetra de backup, para termos certeza que, em alguma intercorrência, ele já conhecesse a Anne e sua gestação. A equipe que assistiu ao parto era composta pela enfermeira obstetra (a parteira) e uma enfermeira auxiliar (que auxiliava a parteira e prestava a assistência neonatal), mas também tínhamos uma doula e a fotógrafa.

Para maiores informações com embasamento científico sobre o parto domiciliar, sugiro fortemente a leitura do texto da Dra. Melania Amorim em Estudando Parto Domiciliar.

Era domingo,  9/12, estávamos nos preparando para ir ao último encontro do ano, no Ishtar Rio. Foi quando a Anne me chamou e viu que aquele líquido meio gosmento tinha saído: o tampão. Imediatamente, enviei uma mensagem via Whatsapp (ah, as maravilhas do mundo moderno) para a parteira, Maíra:

– Saiu o tampão, comofas?

Ela respondeu que estava tudo bem, porque poderia ser que ainda demorasse alguns dias até que o trabalho de parto começasse de verdade. De qualquer maneira, resolvemos ficar em casa porque havíamos dormido apenas duas horas na noite anterior, devido à visita de alguns amigos festeiros que tivemos em casa. Melhor descansar porque, né? Vai que?

Passamos o resto do dia descansando, sem nenhuma novidade a mais. Anne estava tensa, mesmo que não quisesse demonstrar e eu, como não queria piorar a ansiedade dela, fingia que não sabia que ela estava tensa. Eu estava relativamente tranquilo. Você, principalmente o pai, não faz ideia alguma do que está por vir e, na maioria das vezes, continua sem fazer ideia alguma do que aconteceu, mesmo depois que o seu filho nasce. A mulher também não tem ideia, mas se existe uma escala de não ter ideia, o homem geralmente está vários degraus abaixo.

O domingo acabou, a segunda chegou, mas a Anne não sentia nada além de algumas contrações bem leves e espaçadas. Estávamos relativamente tranquilos até que, na hora do almoço, a Anne me ligou dizendo que um filete de líquido com o típico cheiro de água sanitária estava escorrendo. Eu, que já havia feito meu dever de casa, já entendia que tratava-se de uma bolsa estourada! Conversamos com a parteira, que nos acalmou dizendo que ainda faltava bastante tempo, considerando que as contrações ainda estavam bem tranquilas. A Anne até disse para mim que eu poderia voltar para o trabalho, pois tudo estava sob controle.

Aham, voltar para o trabalho. Sei.

Agora, diga para mim: quem, sabendo que a mulher está em trabalho de parto, vai voltar para o trabalho? No que mais eu vou ficar pensando o resto do dia? Em fornecedores? Em contratos? Claro que não, então fui direto para casa, só que não me dei conta de que algo estranho estava acontecendo comigo. Uma euforia, misturada com ansiedade, e talvez, apenas talvez, a minha metade feminina desejosa de parir (é, homens, nascemos sem esses poderes maneiros que as mulheres têm, lidem com isso) me deixou como se eu tivesse tomado um porre de energético. Eu falava rápido, andava rápido, queria fazer coisas, preparar a casa, comprar comida, comprar bebida, fazer tudo.

É engraçado, porque sendo um parto domiciliar, e situação era um pouco diferente. Era como se fôssemos fazer uma festinha e precisássemos preparar a casa para os amigos. Acho que eu fiquei um pouco pilhado nesse sentido. Um pouco não, bastante. Cheguei em casa, feliz da vida, vi que estava tudo bem com a Anne e então passei no mercado e comprei toneladas de água de coco, sucos, saladas de frutas, muitos lanches gostosos para a Anne e o pessoal comer ao longo do trabalho de parto. Fazer essas compras fez bem para a minha ansiedade.

O resto da tarde foi bem tranquila, a Anne tinha contrações ritmadas, mas que ela conseguia encarar na boa. Passamos uma tarde agradável assistindo Harry Potter entre uma contração e outra. Mas a noite chegou e, com ela, trouxe as contrações mais pesadas. A Maíra chegou, junto da enfermeira assistente, Lara. Viu que tratava-se de um trabalho de parto de parto ainda na fase latente, mas não saiu mais de casa. Logo mais à noite, chegou a doula, Ingrid, que depois soubemos que tinha praticamente emendado com um outro parto. Pessoal resistente, esse.

As contrações já vinham bem forte noite adentro, mas gerenciável, pelo que eu podia ver. Eu e Anne ficamos juntos o tempo todo, até que a madrugada chegou, e o sono veio forte. Eu tentava ficar acordado, para não me sentir menos marido, mas em determinado momento, eu apaguei. Durante essa madrugada, a doula foi fundamental para que a Anne não ficasse sozinha, mas não foi a primeira e nem a última vez que a doula foi fundamental em nossas vidas.

O parto evoluía bem, e a parteira, de tempos em tempos, vinha para auscultar o Dante, certificando que o carinha estava super bem. O trabalho de parto é, de fato, um trabalho. Requer esforço tanto da mulher, como do bebê, que está lá dentro procurando uma maneira de sair de dentro da mãe. Deve ser uma aventura fantástica para o bebê e algo que, comprovadamente, faz bem a ele.

Quando amanheceu, logo quando a Anne conseguiu deitar do meu lado para tirar um mini cochilo, ela foi acordada abruptamente por uma explosão: a bolsa havia rompido de vez. Veio água, veio dor e veio a fase expulsiva. Ela ficava no chuveiro, com a doula, até que quando eu finalmente despertei, pude entrar no chuveiro com ela. De algum jeito, conseguiram fazer aquela bola de borracha dentro do nosso minúsculo box, e foi onde ela ficou bastante tempo. Acho que eu ainda estava com a roupa com a qual tinha ido trabalhar no dia anterior, não lembro direito porque algumas coisas ficam confusas na cabeça da gente; a atmosfera que se cria no parto domiciliar é meio entorpecente.

Saindo do chuveiro, a piscina havia sido magicamente enchida pela doula e a equipe. A Anne, quando viu a piscina, cheia e quentinha, ficou com os olhos brilhando. Pulou dentro da piscina e lá ficou, até o Dante nascer. Ela diz que a sensação era de como se o corpo tivesse afrouxado todo. Eu, que sempre disse que não entraria na piscina porque sou muito fraco para essas coisas, logo estava com uma bermuda e dentro da piscina, junto da Anne. Foi a melhor coisa que eu poderia ter feito, e que mudou tudo na minha perspectiva de pai.

A parte expulsiva do trabalho de parto foi relativamente rápida, deve ter durado umas 3 horas. Mas foram horas punks. A Anne virava para cá e para lá, em um diálogo interno para tentar entender qual era a melhor posição que a mamífera de dentro dela estava querendo. A coisa ficou meio animal, sem freios, sem proteções. Era a minha esposa, em sua forma mais primitiva. E eu estava completamente apaixonado por aquela mulher.

Foi então que, pouco antes de uma contração, ela sentiu que deveria ficar de quatro. Pôs-se de quatro, e então foi bem rápido, puft, a cabeça saiu e logo depois, puft, o resto do corpo saiu. E eu estava ali. Eu aparei meu próprio filho.

Não existe absolutamente nada mais fantástico do que isso, nada mais incrível que eu poderia ter feito na minha vida inteira. Eu poderia salvar uma cidade inteira das garras de um tirano. Poderia tirar um asteroide da rota de colisão com a Terra. Tudo besteira. Eu aparei meu próprio filho.

Eu perguntei que horas eram. Dante nasceu às 11:24.

 

 

PS: eu não sou do tipo de cara que faz apelos, nem nada do gênero. Mas isso, eu preciso falar: o parto é provavelmente um dos acontecimentos mais sensacionais que acontecerão na sua vida. Não deixe de participar. Não deixe de parir junto. Não existe o próximo filho, o próximo parto. Cada parto é único e deve ser apreciado assim, seja em casa, no hospital ou na selva.

Thiago Queiroz

Thiago Queiroz

Psicanalista, pai de quatro filhos, escritor, palestrante, educador parental, host dos podcasts Tricô e Pausa pra Sentir (dentre outros), autor dos livros "Queridos Adultos", "Abrace seu Filho", "A Armadura de Bertô" e "Cartinhas para meu pai", participou também do documentário internacional "Dads".

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Comentários

38 comentários em “De Quando Dante Nasceu – O Parto Domiciliar Visto Pelo Pai”

  1. Fabiola Coutinho

    Olá Thiago,

    Acabei de chegar no seu blog e estou maravilhada.
    Ainda não sou gestante, mas meu marido e eu estamos tentando engravidar.
    Sou doula e fiquei ainda mais encantada com a forma como se refere a profissional de assistência ao parto.
    Eu planejo um parto domiciliar, mas meu marido tem verdadeira aversão por essa ideia. Tenho tentando conversar com ele para tentar mostrá-lo que PD não é um bicho de 7 cabeças quando a gestação é de baixo risco, mas ele está irredutível. Decidi não tomar mais no assunto, afinal de contas, nem grávidos estamos ainda. Ao ler seu relato encontrei aqui um porto seguro de informações e emoções, que poderão nos auxiliar na mudança de ideia (dele, claro! rs).
    Além de disso, vários outros artigos me deixaram encantada, então lhe parabenizo profundamente pelo belo trabalho, e ficarei por aqui, lhe acompanhando, conhecendo e me aprofundando no que diz respeito ao olhar masculino.
    bjs e mais uma vez, PARABENS e obrigada por compartilhar suas ideias e experiências.

    1. Fabiola,

      Muito grato pelas suas palavras, é sempre muito bom ouvir como meus textos podem ter um impacto positivo na vida de outras pessoas. É realmente gratificante!

      Sei bem o que seu marido está passando, passei bem por isso! E espero que ele consiga desconstruir essa questão, para apoiar você na sua decisão de parir em casa, e que ele consiga também aproveitar esse momento tão único.

      Ah, e como você encontrou meu blog há pouco tempo, talvez você não saiba, mas esse relato é do meu primeiro filho e hoje sou pai de dois! O segundo, com 3 meses hoje, também nasceu em casa, então fala para o seu marido que eu sou grato pela oportunidade de viver experiências tão lindas e poderosas, vivendo os partos da minha esposa na nossa casa.

      Um abraço e tudo de bom!

      1. Fabiola Coutinho

        Puxa vida, que coisa bacana. Vou indicar seu blog para ele acompanhar, e quem sabe, se empoderar também? Vamos torcer. Mais uma vez, agradeço!!! 🙂

  2. olá, thiago!

    descobri seu blog hoje e acho que vou ficar por aqui até ler tudo! rs! excelente ponto. estou na 25ª semana de gestação e eu e meu marido estamos planejando nosso parto domiciliar… pedro chega em julho! =)

    obrigada por compartilhar suas vivências, sentimentos e ideias.

    iza =)

  3. Cara, nossa pequena nasceu em um parto domiciliar, em Novembro passado. Acho que se eu fosse escrever, meu relato seria bem parecido com o teu (com bem menos eloquência, certamente). Só discordo quando você diz que “a atmosfera que se cria no parto domiciliar é meio entorpecente.” Eu diria que é *altamente* entorpecente! Hehehe. Abraço!

  4. Luciano Gamba da Silva

    Mais uma leitura emocionante no seu blog, Thiago. Parabéns pela sua história de vida e por espalhar esta “nova forma” de paternidade, que nunca deveria deixar de existir: puramente instintiva.

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