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Pois É, Correr Agora É Um Problema

"Escolas proíbem as crianças de correrem em pátios, e isso parece ser aceitável por todos. Você consegue imaginar crianças que não correm?"

Sempre que eu faço uma roda de conversas em alguma cidade, eu volto com alguma coisa nova que eu aprendi das trocas. Normalmente, é alguma coisa bem bacana mas, às vezes, são coisas que me chocam. E foi bem assim dessa vez, na última roda de conversas sobre disciplina positiva em Juiz de Fora, MG.

Nesses encontros, sempre falamos sobre escolas, e dessa vez não foi diferente, a não ser pelo comentário que ouvi dos pais de que haveria uma escola muito tradicional ali na cidade, que proibia as crianças de correrem.

— Peraí, mas como assim?

— Isso mesmo, é proibido correr na escola, no pátio, e tudo mais.

Eu nunca ouvi nada parecido, e mal conseguia disfarçar o meu choque. Que as escolas tradicionais já fazem muitas coisas que nos espantam, isso eu já sei, mas proibir de correr? E enquanto eu ainda me recuperava dessa primeira pancada, veio a segunda.

— Ué, você está espantado? E a notícia que saiu essa semana, de uma escola lá do Rio que está fazendo a mesma coisa?

Mal acreditei, porque já tinha dificuldades de aceitar uma escola proibindo esse tipo de coisa. Agora, parecia uma tendência. Quando cheguei em casa, corri para pesquisar esta notícia, e descobri que trata-se de uma escola beeeeem tradicional no Rio.

Segundo orientação da escola, é permitido correr com moderação, e aí fica essa dúvida: o que seria correr com moderação? Seria algo que não ultrapassasse a velocidade de uma marcha atlética? Ou seria correr dando trotes leves? E, obviamente, crianças que não respeitassem esse limite seriam punidas. Afinal de contas, o que essas crianças malcriadas estão pensando que podem fazer? Que podem correr? Um absurdo!

Uma busca mais aprofundada mostra que isso também é relativamente comum e aceitável em outras escolas ao redor do mundo. Como se já não bastassem as escolas tradicionais limitando o potencial criativo de tantas crianças, enfiando-as em caixas fechadas e fazendo preocuparem-se com notas e classificações, agora também proíbem as mesmas crianças de terem, talvez, a única válvula de escape do dia, que é correr na hora do recreio.

Você consegue imaginar uma criança que não corre?

Isso me diz muito sobre a sociedade em que vivemos, completamente despreparada para receber e lidar com crianças, desprovida de empatia para os nossos filhos. E o mais curioso disso tudo é que os adultos de hoje estão cada vez mais cobrando empatia dos outros, em seus textões de Facebook. Por um mundo mais empático, eles dizem. Mais empatia pelos adultos, porque para as crianças não precisa, né?

Vivemos em um mundo em que as crianças não podem fazer mais o que é esperado de crianças. Elas não podem perambular pelos restaurantes, não podem ter crises de choro em um mercado, não podem correr nas escolas, aliás, não podem correr em lugar nenhum. Acho, inclusive, que logo, logo, vão inaugurar os criançódromos, lugares bem específicos e demarcados, onde as crianças poderão correr livremente.

Se nós queremos construir um futuro mais empático, precisamos ter em mente que as crianças aprendem através do modelo. E se nós não temos empatia por elas, como é que elas poderão ser mais empáticas do que nós?

E você, o que pensa disso tudo? Conhece outras escolas que seguem essa regra? Vem conversar comigo, deixe seu comentário aí embaixo!

Thiago Queiroz

Thiago Queiroz

Psicanalista, pai de quatro filhos, escritor, palestrante, educador parental, host dos podcasts Tricô e Pausa pra Sentir (dentre outros), autor dos livros "Queridos Adultos", "Abrace seu Filho", "A Armadura de Bertô" e "Cartinhas para meu pai", participou também do documentário internacional "Dads".

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Comentários

8 comentários em “Pois É, Correr Agora É Um Problema”

  1. Perfeita reflexão! Tenho uma vizinha que tem uma filha da idade da minha, 2 anos, e quando as encontramos no parquinho do prédio e minha filha começa a correr, óbvio que a dela quer fazer o mesmo. Mas a mãe simplesmente não deixa! Briga com a pobre da criança e tudo! Teve vezes que eu até percebi umas viradas de olho e um suspiro de insatisfação quando chegávamos. Acho que ela tem raiva da liberdade que dou à minha filha de ser criança.

  2. Lucyenne Matos

    Nossaa… só me lembro que meu filho de 3 anos tinha sido punido na escola por ter corrido e batido as portas com outro colega. Eu tirei da escola e deixei em casa comigo….

  3. Vitor Sandrini de Assis

    Há momentos que me pergunto o que querermos desse mundo… Por que insistimos em tornar o mundo um lugar de negação? “Não pode isso”, “não pode aquilo”… A vida é afirmação de práticas e de formas de vida. Claro que regras existem e auxiliam o bom andamentos da vida em vários aspectos, mas tendemos a nos apropriar das regras de forma a esquecer o significado delas. Assim como você bem disse no texto sobre Carregar Bandeiras. Estamos levantando bandeiras, regras que se desconectam cada vez mais de nossas origens. Estamos ainda nessa briga positivista de nos afirmarmos enquanto diferentes dos outros animais, de negarmos nossa natureza, de querermos romper com todos os parâmetros e sermos os “diferentões’? Essa bipartição do mundo entre pode tudo e não pode nada me preocupa muito.
    Confesso que estou sendo um pouco viajante demais nesse comentário, mas é que o texto tocou em tantas questões de incômodo para mim que sequer consegui dar forma às minhas inquietações.
    Sou pai há pouco tempo e me preocupo muito com o futuro do mundo que estamos construindo. Como psicólogo, vejo diariamente os malefícios das relações coercitivas que construímos todos os dias de forma prática. Por vezes é sufocante ver que somos capazes de produzir tanto mal estar! Preciso de muita força e de muito empenho partilhando com aqueles que me são próximos e caros para voltar a ver o lado bom da vida, pois há dias em que é bem difícil. E esse mundo opressor é algo que definitivamente não quero para minha filha. Luto todo dia por um mundo melhor para ela e é muito bom ver que tem mais gente aqui fora (digo “aqui fora” e não “aí fora” porque eu e todos devemos sair mais para lutar) lutando pelo mesmo. Parabéns pelo empenho e pelo questionamento constante das práticas que se tornam comuns sem vermos. Precisamos sempre de mais gente lutando por essa causa!
    Grande abraço.

  4. Thais Gonçalves Zillo

    Nunca tinha ouvido falar nisso! Pelo contrário, comentei no berçário do meu filho esses dias que se a criança volta pra casa todo dia sem um raladinho, sem um roxinho, tem algo errado na escola. Criança rala o joelho e bate a testa porque está brincando, correndo, sendo criança!! Vira e mexe meu bebê de 10 meses chega com um roxinho em casa e quando me dizem “ah, Thais, o Augusto está com esse roxinho na testa porque caiu tentando subir no brinquedo”. Minha resposta é “que bom!! Ele está explorando o ambiante e testando suas habilidades”. Eu atribuo essas proibições ao comportamento dos pais, Thiago. Sinceramente, acredito que as escolas não proibiriam se o roxo e o ralado não fossem motivo de reclamação dos pais. Papais e mamães, entendam que Dory (ela mesma, o peixinho sem noção de Procurando Nemo) tem toda razão quando ela diz que “se nada acontecer com seu filho, então nada vai acontecer com seu filho”. E é muito triste uma vida em que nada acontece.

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